Quem já viu um céu tão cravejado de estrelas que teve a impressão de que elas estavam flutuando? Este mês, vamos falar de um local exatamente assim onde nós três já estivemos e o qual guardamos com muito carinho: o Chile. Foi lá que a Duília fez seu primeiro pós-doc, que a Geisa já foi fazer observações e é onde a Ana faz o doutorado.
O Atacama é o deserto mais seco do mundo, registrando uma média de 300 dias secos por ano. É um dos ambientes mais inóspitos do planeta — justamente os melhores para se fazer astronomia. A umidade dos oceanos e da Amazônia não consegue subir a cordilheira dos Andes, e essa combinação de secura e grandes altitudes torna o deserto chileno perfeito para o estudo do espaço. Quanto menor a quantidade de moléculas de água suspensas no ar e maior a altitude, menor é a interferência da atmosfera terrestre e melhor a qualidade das observações.
É por isso que há décadas os astrônomos da comunidade internacional sempre estão em busca das melhores regiões para instalar observatórios no Chile. Hoje temos 14 grandes sítios de observação que foram construídos a partir de acordos entre o governo chileno e diversos países e organizações, como o Observatório Europeu do Sul (ESO), a Associação de Universidades para Pesquisa em astronomia dos EUA (AURA), a Fundação Nacional de Ciências (NSF) e a Fundação Carnegie, ambas dos Estados Unidos.
Andar nessa região não é de tirar o fôlego só pelo ar rarefeito, mas por estar ao lado de telescópios gigantes. Quanto maior o tamanho do espelho de um telescópio, mais luz é captada e, portanto, é possível observar objetos cada vez mais distantes (de brilho bem fraquinho). Por isso, os astrônomos investem na construção de equipamentos enormes, a exemplo do telescópio Blanco, que tem um espelho de 4 metros de diâmetro e fica no observatório americano Cerro Tololo, construído nos anos 1970. Tem também o VLT (Very Large Telescopes), que é um conjunto de quatro telescópios de 8,2 metros de diâmetro do ESO construído no final do século 20; e o Gemini-Sul, de 8,1 metros de diâmetro, gêmeo de um outro telescópio que fica no topo de um vulcão no Havaí, ambos construídos em 2000.
Astrônomos de todo o mundo também aguardam com grande expectativa a finalização, ainda em 2021, da construção do observatório Vera Rubin, cujo telescópio de 8 metros fará varreduras constantes do céu e, com certeza, transformará a astronomia. Em um futuro não tão distante, em 2029, teremos também no Chile o GMT (Giant Magellan Telescope), que terá 25,4 metros de diâmetro e do qual a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) é uma das financiadoras.
E não é só com grandes telescópios que se faz astronomia. É no território chileno também onde fica o conjunto de 66 antenas, sendo 54 de 12 metros de diâmetro cada e outras 12 de 7 metros cada, chamado Atacama Large Millimeter Array (ALMA). Elas observam, sincronizadamente, as moléculas do Universo. A construção do ALMA foi um dos maiores desafios da tecnologia para os astrônomos: ele fica a 5 mil metros de altitude e só trabalha lá quem é bem treinado para desempenhar tarefas em locais com essa característica. É necessário estar muito bem de saúde para ir até onde ficam as antenas, além de ser comum ter que usar cilindros de oxigênio para respirar.
O ALMA é também um exemplo de observatório global — podem usá-lo países membros do ESO, os EUA (através do NSF), o Japão (por meio do Instituto Nacional de Ciências Naturais, NINS) e o Chile.
Todo ano, os comitês constituídos por diversos representantes da comunidade internacional decidem quais projetos poderão utilizar os telescópios. Em geral, o tempo de uso é priorizado para os países membros/sócios do observatório, com exceção do Chile. Por ser o país anfitrião, os chilenos têm garantido 10% do tempo total em todos os telescópios, o que é uma boa fração considerando o tamanho da comunidade astronômica de lá (pouco mais de 250 astrônomos trabalhando em instituições nacionais).
E o Brasil? A comunidade astronômica brasileira — que é pelo menos quatro vezes maior que a chilena — tem acesso a alguns telescópios graças à participação durante a construção e manutenção de alguns dos equipamentos, como o Gemini Sul, o telescópio SOAR (Southern Astrophysical Research), o Blanco, o telescópio brasileiro T80-Sul e, futuramente, o GMT e o Rubin. Os astrônomos brasileiros podem utilizar outros telescópios, porém pelo fato do Brasil não ser sócio dos observatórios, os projetos entram em ampla concorrência de uma fração muito pequena na quantidade da distribuição das noites, tornando a competição muito alta e apenas projetos muito impactantes recebem o privilégio de uso a cada semestre.
Em 2010, o Brasil foi convidado a se juntar ao consórcio de países do ESO, e a comunidade astronômica brasileira começou a usufruir das instalações, que incluía o poderoso ALMA, a partir do envio de vários projetos que foram julgados e aprovados. Porém, o governo brasileiro não confirmou o acordo final e o país deixou de fazer parte do consórcio como membro interino em 2018.
Isso foi uma grande perda, porque além de poder competir de igual para igual com os europeus na utilização dos telescópios, as empresas brasileiras de equipamentos e tecnologia poderiam participar também da construção do Extremely Large Telescope (ELT), que será o próximo grande desafio tecnológico da astronomia mundial. A previsão é que ele deverá começar a observar em 2025.
O gigantesco ELT será o maior telescópio do mundo, com um espelho de 39,3 metros de diâmetro e ficará a 3 mil metros de altitude em pleno deserto. Só a cúpula do prédio que o abrigará será a maior já construída, com um diâmetro de 86 metros. Imagine entrar nesse prédio ou simplesmente caminhar pelos seus arredores. Vai ser incrível! Ainda bem que estamos bem pertinho do paraíso.
Fonte: Galileu