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Entrevista com Alister McGrath: “Percebi que o ateísmo é uma fé”

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O teólogo britânico Alister McGrath tem uma trajetória pouco comum entre cientistas. Doutor em biofísica molecular pela Universidade de Oxford, descreve-se orgulhosamente como “ex-ateu”: os anos na renomada instituição inglesa o fizeram rever a crença de que as ciências naturais são inimigas da religião, que ele encarava como “superstição irracional”.

Além de estudar biofísica, ele passou a se dedicar a pesquisar a relação entre ciência e teologia e, em 1980, foi oficialmente ordenado diácono na Igreja Anglicana. Em 1983, foi nomeado professor de doutrina e ética cristã no Wycliffe Hall da Universidade de Oxford, faculdade da Igreja da Inglaterra na instituição, da qual foi diretor até 2005. Três anos depois, deixou Oxford para lecionar Teologia, Religião e Cultura no King’s College de Londres.

Ao longo da carreira, McGrath ficou conhecido por seu envolvimento em debates culturais sobre a racionalidade e a relevância da fé, especialmente a cristã, e por ser um forte crítico de antirreligiosos. “Queremos saber como as coisas funcionam e o que significam. A primeira delas é uma questão científica, mas a segunda não”, diz.

Para aprofundar o debate, ele se lançou em uma investigação sobre as crenças de Albert Einstein, em geral tido como ateu. “O erro mais comum é pensar que a Teoria da Relatividade de Einstein significa que não existem certezas sobre nossas crenças. O grande erro é achar que ‘relatividade’ é o mesmo que ‘relativismo’”, explica. O resultado de suas reflexões e pesquisas estão em Uma Teoria de Tudo (que importa), lançado no Brasil em janeiro de 2021 pela editora Mundo Cristão.

A seguir, ele fala mais sobre as concepções de Einstein sobre ciência, religião e existência humana, e a relação entre ciência e fé.

A relação entre ciência e religião é discutida há milênios e, como você descreve no livro, é como se estivessem em constante guerra uma contra a outra. De onde você acha que surgiu essa rivalidade?

Essa rivalidade tem origem no século 19, quando uma divisão significativa surgiu entre duas visões rivais da ciência no Reino Unido: a ciência teísta, que acreditava que a ciência poderia ser conduzida sem um apoio religioso, e a naturalista, que acreditava que a ciência exigia a eliminação de crenças religiosas, devendo ser alocada em um contexto secular. Historiadores também acreditam que a relação entre ciência e fé pode ser creditada ao modelo de “guerra” ou “conflito”, mas é muito mais complexo do que isso.

Por que colocar Einstein no centro de toda essa discussão?

Einstein é o cientista mais conhecido do século 20 e me pareceu uma boa ideia comemorar o centenário da confirmação da Teoria da Relatividade falando sobre seus pontos de vista acerca da relação entre ciência e religião.

Pode resumir quais eram esses pontos de vista?

Einstein sustentava que a religião era a motivação fundamental para a vida e a ciência, e não deveria ser vista como inconsistente em relação à ciência. Para Einstein, o método científico era algo limitado. Segundo ele, os métodos científicos podem nos ensinar nada além de como os fatos são relacionados a algo ou condicionados para algo. O conhecimento do ‘o que’ não abre portas para coisas que ‘poderiam ser’. Em outras palavras, a ciência pode nos falar das coisas que observamos no mundo, mas não nos dá uma visão do que é a vida ou sobre o futuro do nosso planeta. Einstein via Deus em termos mais impessoais, como uma “mente” por trás do Universo. Por isso, o capítulo final do meu livro explora como a visão de Einstein sobre a religião se conecta com o jeito cristão de ver as coisas.

O que podemos aprender com a perspectiva de Einstein sobre religião e Deus?

Einstein viu um sentimento religioso de admiração ou de deslumbramento na presença da natureza como uma motivação poderosa para a pesquisa científica. Ele enfatizou que o mundo natural era algo que nunca poderíamos esperar entender completamente. Einstein deixou claro que não acreditava em um “Deus pessoal”; apologistas ateus regularmente interpretam isso como significando que Einstein não acreditava em Deus, ignorando suas muitas declarações contrárias a isso. Em suas obras publicadas, Einstein se refere repetidamente e explicitamente a uma “inteligência”, “mente” ou “força” que está atrás ou além do Universo, e a identifica como Deus. Esta é talvez a sua definição mais conhecida de Deus: “a firme crença em uma mente superior que se revela no mundo da experiência representa minha concepção de Deus”.

Você diz que a ciência e a fé são, na verdade, complementares. Como chegou a essa conclusão?

Eu costumava ser um ateu científico, que via a ciência e a fé como inimigas. Mas percebi que essa era uma maneira muito distorcida de ver os fatos históricos e as possibilidades atuais. A ciência e a fé nos dão diferentes perspectivas sobre a realidade, permitindo-nos obter uma compreensão mais profunda de nosso mundo e de nós mesmos do que qualquer uma delas pode nos dar sozinhas. A abordagem de Einstein é tratar a ciência e a religião como duas áreas distintas e diferentes da reflexão humana, com foco em diferentes aspectos de nossa atitude em relação ao nosso universo. Queremos saber como as coisas funcionam e o que significam. A primeira delas é uma questão científica, mas a segunda não.

Você deixou de ser ateu para se tornar cristão. Pode explicar esse processo? E por que o Cristianismo em particular?

Percebi que o ateísmo é uma fé, uma crença não comprovada e improvável de que Deus não existe. Falo muito sobre esse processo em meu livro recente Through a Glass Darkly: Journeys through Science, Faith and Doubt [Por um vidro escurecido: Jornadas através da Ciência, Fé e Dúvida, em tradução livre, publicado em 2020 e sem edição no Brasil]. Também comecei a perceber que o Cristianismo me deu uma lente através da qual eu podia ver a ciência e a vida, e que isso fazia muito mais sentido do que meu ateísmo anterior.

Por que Cristianismo?

Principalmente pela ideia cristã da encarnação, que fala de Deus entrando em nosso mundo para nos redimir por meio de Cristo. Como ateu, eu via um Deus inexistente como estando no céu e, portanto, sem nenhuma conexão com o mundo do espaço e do tempo. Perceber a importância da encarnação mudou minha visão de Deus significativamente. O termo Cristão “encarnação” expressa o tema central de que Jesus Cristo personifica Deus. Deus está conosco, não apenas no sentido de estar ao nosso lado, mas também no sentido de compartilhar com a gente a nossa história e jornada.

Temos visto o aumento de líderes religiosos em diversos países, entre eles o Brasil, que embora seja supostamente secular tem um presidente que não esconde que faz política de acordo com suas crenças religiosas. Vimos o impacto disso na resposta atual do país à Covid-19, por exemplo. Quando a religião se torna um problema?

A religião se torna um problema quando se separa de outras fontes de conhecimento. Minha fé religiosa me faz querer ajudar as pessoas, do ponto de vista médico e econômico, mas não me fornece o conhecimento médico e econômico para fazer isso.

Por outro lado, existe algo como ciência demais se tornando um problema, ou a necessidade de limitar isso?

Sim, pode haver um problema real quando os cientistas insistem que a ciência é a única forma válida de conhecimento humano e se recusam a levar a sério a religião, a filosofia ou a ética. É por isso que enfatizo a importância do enriquecimento. A ciência nos ajuda a entender como nosso universo funciona, a fé nos ajuda a entender o que nós e nosso Universo significam

O que você acha que Einstein estaria estudando se estivesse vivo hoje?

Ele ainda estaria trabalhando em Física e tentando resolver a questão da unificação, tentando encontrar uma “Teoria de Tudo”. Ninguém conseguiu ainda!

E o que exatamente importa, realmente?

Que somos importantes para Deus, embora muitas vezes pensemos que somos insignificantes. O Salmo 8 é muito útil. Faz toda a diferença saber que Deus cuida de nós, nos redimiu por meio de Cristo e nos acompanha em nossa jornada por este mundo às vezes escuro e perigoso (Salmo 23). Como a romancista britânica Jeanette Winterson observou certa vez, “não podemos simplesmente comer, dormir, caçar e reproduzir, somos criaturas em busca de significado”. Ela ressalta que “parece que precisamos de algum propósito maior, algum ponto para nossas vidas. Dinheiro, lazer e progresso social simplesmente não são suficientes”.

Fonte: Galileu

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