Home Cinema “O Legado de Júpiter”: 4 discussões sociais (e atuais) presentes na série

“O Legado de Júpiter”: 4 discussões sociais (e atuais) presentes na série

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Os membros da União da esquerda para a direita: Richard Conrad, Walter Sampson, Sheldon Sampson, Grace Sampson, Fitz Small e George Hutchence (Foto: Steve Wilkie/Netflix)

Mais uma história de super-heróis? Bom, por um lado, sim. Por outro, a adaptação dos quadrinhos de Mark Millar e Frank Quitely pretende aprofundar algumas temáticas não tão exploradas por outras obras já conhecidas pelo público. O Legado de Júpiter foi desenvolvido pelo roteirista Steven DeKnight e gira em torno do choque entre a primeira geração de super-heróis e seus filhos, que também possuem poderes.

esde que os direitos de publicação e adaptação do Millarworld, selo que reúne as HQs do escocês Mark Millar, foram comprados pela plataforma de streaming em 2017, o autor participou de várias reuniões para decidir como os seus trabalhos passariam do papel para as telas. E os fãs dos quadrinhos podem ficar tranquilos: Millar garante que nada de importante ficou de fora.

Seguindo duas linhas do tempo distintas, a série revela como os membros originais da União ganharam seus poderes em 1929, após a quebra da bolsa de valores de Nova York, e mostra o impacto dessa aventura depois de quase um século, em 2020.

Ao longo dos oito episódios que têm entre 30 e 50 minutos de duração, os espectadores acompanham a jornada de Sheldon Sampson (Josh Duhamel), Walter Sampson (Benn Daniels), Grace Sampson (Leslie Bibb), Fitz Small (Mike Wade), George Hutchence (Matt Lanter) e Richard Conrad (David Julian Hirsh) para se tornarem Utópico, Onda-Cerebral, Lady Liberdade, Flare, Skyfox e Raio Azul, respectivamente.

Em paralelo, a narrativa do presente também se desenrola, mostrando a vida dos filhos de Sheldon e Grace Sampson. Enquanto a modelo e influenciadora Chloe Sampson (Elena Kampouris) tenta se distanciar ao máximo dos pais, Brandon Sampson (Andrew Horton) se esforça para aprender a lidar com os seus poderes e chegar à altura de Utópico.

O Legado de Júpiter (Foto: Marni Grossman/Netflix)

Mesmo tendo sido escrita em 2012, a obra consegue tocar em pontos que estão presentes na nossa sociedade dos dias de hoje. Isso porque, conta Millar, existe uma frase de Stan Lee que foi uma grande inspiração: as melhores histórias de super-heróis são aquelas que parecem estar acontecendo do lado de fora da sua janela. Abaixo, confira quatro elementos sociais (e atuais) que permeiam O Legado de Júpiter.

1. Crise econômica e desemprego

Logo nos primeiros minutos da série, o noticiário local menciona a queda de 8% do índice Dow Jones, responsável por monitorar as ações norte-americanas, e uma tendência de mercado que, segundo analistas, pode se tornar semelhante à de 1929. Há ainda o crescimento do desemprego pelo décimo mês consecutivo como parte dos elementos que delineiam a sociedade nas cenas do presente.

Também no primeiro episódio, o espectador é convidado a fazer uma viagem no tempo, se familiarizando com a histórica Grande Depressão. Em decorrência da crise econômica de 1929, milhares de empresas faliram, o desemprego nos Estados Unidos chegou a 27% e filas nas ruas para conseguir alimentos tornaram-se uma cena emblemática.

Dentro desse contexto, se inicia a aventura de Sheldon, culminando nos poderes que o transformam em Utópico. Após a quebra da bolsa de Nova York, ele começa a ter alucinações e acredita que deve ir até uma ilha da região de Cabo Verde, na África, para salvar os Estados Unidos. Ao lado de mais cinco pessoas, Sheldon embarca em uma viagem que faz com que o público entenda quem são os personagens e como eles se tornaram os primeiros super-heróis do mundo.

2. Disfunções familiares

Após anos no comando da União e já tendo uma família formada, Utópico começa a questionar as próprias decisões e a forma como ele conduziu a sua vida. “Esse cara consegue fazer tudo, como voar e ver um diamante na Lua, mas ele não consegue se conectar com a filha de 20 anos”, explica o ator Josh Duhamel, que dá vida ao super-herói.

Tamanha é a importância dos desentendimentos entre Sheldon e Chloe para a trama que Mark Millar considera que a jovem seja a personagem central da história. Interpretada por Elena Kampouris, a filha, machucada pela ausência do pai, se rebela e tenta aliviar a dor com festas e álcool. “O Utópico é perfeito para todas as pessoas no mundo, exceto para Chloe”, afirma Kampouris.

O Legado de Júpiter (Foto: Steve Wilkie/Netflix)

O outro filho de Sheldon e Grace é bastante diferente de Chloe — mas isso não faz com que ele escape dos problemas familiares. Com o sonho de se tornar o próximo Utópico, Brandon sofre com a cobrança e as críticas do pai, que acredita que o filho seja muito emocional e não esteja pronto para assumir o legado da União.

Com isso, além do relacionamento fragilizado com Chloe, Sheldon também se vê afastado de Brandon. Para Josh Duhamel, a mensagem é clara: você pode facilmente ser engolido pelo trabalho ao tentar conquistar cada vez mais sucesso, mas, no fim das contas, nada disso importa se você não der atenção à família.

3. Fragmentação na sociedade

Outro pilar da história de O Legado de Júpiter são as rupturas. “Eu queria criar uma história de super-heróis em que os mais velhos e os mais novos estão em conflito, o que acaba de forma terrível”, diz Millar.

Quase um século depois da ascensão dos primeiros super-heróis, o mundo mudou e antigas regras já não se aplicam mais — e é aqui que está o impasse entre as gerações. Utópico defende que os membros da União devem ser modelos ideais para a sociedade, mas essa não é uma grande preocupação para os novos super-heróis.

O grande problema não está na divergência, e sim na falta de diálogo. “Os dois lados precisam entender que algumas coisas antigas estão certas, mas que, ao mesmo tempo, é preciso ouvir ideias novas e possivelmente mudar”, avalia Josh Duhamel. “É como darwinismo: se você não mudar e evoluir, você morre.”

O Legado de Júpiter (Foto: Steve Wilkie/Netflix)

Preferindo apresentar situações complexas em vez de simplesmente dar as respostas ao público, Millar procurou desenvolver uma trama em que todos os personagens estão um pouco errados e um pouco certos: não há vilões ou heróis, apenas pessoas. “Eu queria mostrar o mundo como ele é agora: todos brigando, países divididos ao meio, sociedades polarizadas”, explica o criador das HQs.

4. Criminalidade e punição

A base do Código, defendido ferrenhamente pelo Utópico, é não matar. Também de acordo com esses princípios, os super-heróis não devem ser líderes políticos ou interferir de forma mais incisiva na sociedade.

Apesar disso, quando os super-heróis começam a ser mortos pelos super-vilões, os heróis mais novos decidem que matar pode ser válido e são apoiados por uma parcela da população, que teme pela própria segurança. E se por um lado Utópico repudia a ação e diz que “caras maus também são pessoas”, por outro ele afirma que “força letal, sem um processo legal, não é justiça” — defendendo a pena de morte, que é aplicada nos Estados Unidos.

Suscitando reflexões sobre punição e a forma como pessoas consideradas criminosas são tratadas, O Legado de Júpiter explora o mundo nada dicotômico em que vivemos ao mostrar as áreas cinzas que possuímos enquanto seres humanos. Em outras palavras, nada é simplesmente preto e branco.

*Com supervisão de Larissa Lopes

Fonte: Revista Galileu | Globo

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