Não há estudante que, a essa altura da pandemia de Covid-19, já não tenha esbarrado em algum dos (muitos) desafios do ensino remoto. A lista vai de dificuldades de adaptação à nova rotina até falta de infraestrutura para seguir com os estudos em casa. Mas um deles foi particularmente vivenciado pelos alunos da rede pública — e escancarou um velho problema social no país: a falta de acesso à internet.
Dados de um levantamento feito em 2020 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) revelam que 5,8 milhões de estudantes de instituições públicas no Brasil, da pré-escola até a pós-graduação, não têm banda larga ou 3G/4G.
Antes da pandemia, só no estado de São Paulo, apenas 60% dos 3,6 milhões de estudantes da rede estadual tinham notebooks e 30% possuíam tablets, de acordo com o questionário socioeconômico do Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (SARESP) de 2019. Foi pensando em aumentar esse número que, em junho de 2020, uma startup especializada na comercialização de aparelhos usados e seminovos, a Trocafone, juntou-se a uma dezena de empresas para lançar um desafio aos moradores da maior metrópole do país: que doassem seus smartphones, tablets e notebooks usados aos alunos da rede pública de ensino do estado.
Com o apoio do governo do estado, a campanha “Abre a gaveta, doe” exigia que os aparelhos doados tivessem até sete anos de uso, que ligassen normalmente e apresentassen conexão wi-fi e 3G funcionando. No caso dos notebooks, também era preciso que o equipamento tivesse pelo menos uma porta USB funcionando, HD com capacidade mínima de 256GB e memória RAM mínima de 4G.
De acordo com o site do projeto, as doações seriam feitas a partir de um critério desenvolvido em conjunto com a Secretaria de Educação do estado, baseado no Índice Paulista de Vulnerabilidade Social (IVPS) — que estima as condições de vida dos municípios a partir da identificação das áreas que abrigam os segmentos da população mais vulneráveis à pobreza. A iniciativa também considerou as mais de 137 famílias cadastradas no Programa Merenda em Casa, que têm filhos devidamente matriculados em cerca de 637 escolas estaduais.
Da gaveta aos novos proprietários
Em maio deste ano, os aparelhos arrecadados finalmente chegaram às mãos de seus mais novos proprietários: 1608 estudantes, segundo dados do projeto divulgados com em primeira-mão a GALILEU. As doações, coletadas entre maio e outubro de 2020, incluíram 1008 smartphones, 278 notebooks e 322 tablets.
Esses números, no entanto, ficaram longe de atingir a meta do projeto, que almejava arrecadar 20 mil equipamentos — ainda que, a cada item coletado, a Trocafone tenha doado mais uma unidade. De acordo com a companhia, as doações abaixo das expectativas podem ter sido resultado das dificuldades financeiras impostas pela pandemia. Além disso, parte dos aparelhos recebidos não estava em condições adequadas para doação.
Embora o caminho para reduzir a exclusão digital em São Paulo — e no país — ainda seja longo, agora são 1608 estudantes que, com um aparelho digital em mãos, ficarão mais próximos da sala de aula.
*Com supervisão de Luiza Monteiro
Fonte: Revista Galileu | Globo