Sem inseticidas e produtos químicos, uma nova tecnologia de combate ao Aedes aegypti utiliza mosquitos da própria espécie para controlar a transmissão de arbovírus como os da dengue, febre amarela, chikungunya e zika.
Chamado de “Aedes do Bem”, o produto é uma caixa que libera mosquitos Aedes aegypti machos geneticamente modificados para acasalar com as fêmeas e gerar somente novos descendentes machos, que não picam nem transmitem doenças. A iniciativa foi pensada por uma empresa britânica e desenvolvida no Brasil, onde tem potencial de alcançar criadouros de mais difícil acesso e servir como um complemento às ações de prevenção incentivadas para a população, como manter caixas d’água tampadas e não deixar água acumulada em lonas, calhas ou vasos.
Se em 2019 foram registrados cerca de 1,5 milhão de casos de dengue no Brasil, em 2020 o número não chegou a 1 milhão, de acordo com os boletins epidemiológicos do Ministério da Saúde (MS). E até outubro deste ano foram confirmados aproximadamente 480 mil casos da doença no país.
A diminuição dos registros, porém, não é encarada com animação pelos especialistas, que temem as consequências de depositar todas as atenções na pandemia do coronavírus em detrimento às estratégias contra as arboviroses. “Segundo o próprio Ministério da Saúde, trata-se de uma subnotificação [de casos], porque tanto as equipes de saúde quanto as de controle de vetores foram deslocadas para o enfrentamento da Covid e, em muitos casos, não havia tempo para fazer diagnóstico diferencial [da dengue]”, disse Natalia Ferreira, doutora em biologia molecular e diretora-geral da Oxitec do Brasil, em evento on-line realizado nesta quarta-feira (01).
Em meio ao aumento da resistência dos mosquitos aos inseticidas, a tecnologia dos Aedes do Bem já mostrou resultados satisfatórios em testes realizados no interior de São Paulo. Em três anos do projeto que espalhou caixas em Indaiatuba, os “mosquitos do bem” confirmaram sua característica autolimitante, criada em laboratório, de que são capazes de limitar a própria espécie, conhecida pelas perninhas listradas. Houve redução de 95% da infestação dos Aedes aegypti na cidade.
Ao ser questionada se a liberação dos mosquitos poderia alterar o equilíbrio ambiental, Ferreira respondeu que o produto foi aprovado pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CNTBio), cujas exigências incluíam rigorosos ensaios ambientais. “Demonstramos que não existiria nenhum tipo de toxicidade ou desequilíbrio quando a população do Aedes fosse suprimida — o que já era esperado, por ele ser um mosquito invasor, que não faz parte da fauna brasileira”, esclareceu.
Ela ainda compartilhou que o maior receio dos profissionais da ecologia era que a espécie mais próxima do Aedes aegypti, o Aedes albopictus, ocupasse e invadisse o ambiente urbano caso o transmissor da dengue fosse eliminado. “Monitoramos durante 5 anos e concluímos que não existiu ocupação do nicho. O A. albopictus é bastante silvestre e não gosta do ambiente urbano”, explicou.
Após serem produzidos em ambiente industrial, na Oxitec, os ovos são reunidos na caixa, que funciona de maneira simples, atinge até 5 mil metros quadrados em área e está disponível no mercado desde o último mês de novembro. Qualquer pessoa pode adquiri-la no site da empresa por valores a partir de R$ 87. Depois, basta instalar a caixa em um local permanente e adicionar água.
“Dentro da caixinha, há um recipiente plástico com os ovos e a dieta de que o mosquito vai se alimentar durante o ciclo dentro da caixa. Elas funcionam como mini-fábricas”, contou Luciana Medeiros, bióloga que participou do desenvolvimento do Aedes do Bem. Entre 10 e 14 dias, os ovos eclodem e os mosquitos são liberados no ambiente.
Fonte: Galileu