Quando pensamos no Universo, nossa tendência é levar a mente até a imensidão inimaginável – um espaço sem fronteiras conhecidas, onde tudo existe.
Mas o inimaginavelmente pequeno é o que constitui os pilares dessa imensidão e nos oferece a possibilidade de compreender como ela funciona.
Observando como se comportam seus componentes na menor escala possível, podemos entender como eles se unem para criar este mundo e muito mais. Essa é uma das principais razões que nos levaram a querer descobrir o que existe de menor no mundo.
E a resposta a essa eterna pergunta evoluiu junto com a humanidade.
Houve uma época em que se acreditava que fossem os grãos de areia.
Depois, foi descoberto o átomo. Acreditávamos que ele fosse indivisível, até que descobrimos os prótons, nêutrons e elétrons no seu interior.
Seriam então essas as partículas fundamentais? Não – na realidade, os prótons e nêutrons são formados por três quarks cada um.
Parece que isso não tem fim. Vamos então tomar um atalho para manter nossa sanidade: um dos menores comprimentos já “medidos” é o limite superior do raio do elétron, que é de 10¯²² metros.
Mas isso não quer dizer que ele seja o menor que existe.
Observe que a pergunta não é “qual é a menor coisa do mundo?”, mas sim “o que é o menor?”
Isso porque o que há de menor no mundo conhecido pelos humanos é um espaço.
Quem afirma é o escritor e matemático Steven Strogatz, que também explicou em um programa de rádio algo fundamental para compreender esse ponto: que nada está vazio…
O vazio não é nada
Para ilustrar essa ideia, Strogatz usou como exemplo algo que todos nós fazemos: aplaudir.
Segundo ele, “o espaço existente entre as suas mãos quando estão separadas antes de aplaudir, esse mesmo vazio, tem um tecido”.
É o mesmo que ocorre quando estamos nadando na água, que nos rodeia de forma contínua. Sabemos que ela é composta de moléculas, que são como pequenos grãos unidos uns aos outros. Com o espaço à nossa volta, acontece o mesmo.
Mas, então, qual é o menor espaço possível no Universo? A BBC News Mundo – o serviço em espanhol da BBC – fez essa pergunta a Steven Strogatz.
“Intuitivamente, você poderá pensar que é algo que não existe, já que você pode pegar qualquer espaço, dividi-lo ao meio e continuar fazendo o mesmo infinitamente”, explica ele. “Isso é que se costumou fazer ao longo da história.”
“Mas, com a teoria quântica, agora se acredita que exista uma unidade de espaço que é a menor de todas.”
Quase no limite
Para se chegar a essa unidade, foram tomadas as três únicas constantes físicas fundamentais (ou seja, que se aplicam a todo o Universo) conhecidas:
c – a velocidade da luz no vácuo.
G – a constante da gravidade newtoniana, que também é usada na relatividade geral.
ħ – a constante fundamental que estabelece a escala dos fenômenos quânticos.
Essa última é chamada de constante de Planck, o número que deu início ao campo da física quântica.
Em 1899, o cientista alemão Max Planck propôs a constante como medida do tamanho de cada “pacote” ou quantum de energia no qual a luz é dividida.
Ele apresentou essa hipótese “quântica” da luz como um truque matemático para que suas equações funcionassem. Mas Albert Einstein argumentou, cinco anos depois, que o truque deve ser tomado literalmente: que a luz realmente se divide nesses pacotes discretos de energia.
A constante de Planck é um número extremamente pequeno:
6,626070150 × 10¯³⁵ kg⋅m2/s
ou, em sua versão estendida, 0,0000000000000000000000000000000006626070150 Joules-segundo, segundo o estabelecido em 2019 pelo CERN, a Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear.
Esses números podem parecer um pouco abstratos e sem sentido, mas não se preocupe. Eles estão quase no limite da física. Parafraseando o físico dinamarquês Niels Bohr (1885-1962), se a teoria quântica não deixar você desconcertado, é porque você não entendeu.
Mas o contrário não é necessariamente verdade – o fato de ficarmos desconcertados não significa que já entendemos. Vamos, então, voltar a Strogatz.
No artigo em que apresentou a constante que leva seu nome, Planck destacou:
“… é possível estabelecer unidades de comprimento, massa, tempo e temperatura, que são independentes de corpos ou substâncias especiais, conservando necessariamente seu significado para todos os tempos e todas as civilizações, incluindo as extraterrestres e não humanas, que podem ser denominadas ‘unidades de medida naturais’.”
E Planck assim o fez. “Ele percebeu que existe apenas uma forma possível de combinar esses três números fundamentais (c, G e ħ) para obter uma distância: o comprimento de Planck (denominado ℓP)”, explica Strogatz.
Ele acrescenta que o motivo do grande interesse dos físicos é que eles acreditam que essa seria a unidade de comprimento da chamada “teoria de tudo”, que unificaria a gravidade, a relatividade e os efeitos quânticos.
“Ainda não temos essa teoria, que é um dos grandes mistérios da física moderna”, esclarece Strogatz. “Mas os físicos insistem que ela deve existir. Não é um ponto de vista científico, é uma crença, mas a história da ciência demonstra que buscar a unificação nos aproxima da verdade.”
A beleza de ℓP é que não importa quais unidades sejam escolhidas para realizar as medições. Elas podem ser métricas ou marcianas, mas todas determinarão o mesmo comprimento de Planck.
“A loucura é que, ao combinar essas três constantes conhecidas, obtemos um comprimento incrivelmente pequeno, muito menor até que o tamanho estimado dos elétrons e quarks”, segundo Strogatz. Mas qual é esse tamanho?
É de cerca de 1,6 x 10¯³⁵ metros, ou seja, 0,000000000000000000000000000000000016 metros – cerca de um bilionésimo de um bilionésimo de um bilionésimo de metro.
Um fóton viajando à velocidade de luz levaria cerca de 10-43 segundos para percorrer essa distância. Este é o tempo de Planck, o “quantum de tempo” ou a menor medida de tempo que mantém algum significado.
Isso porque essas unidades marcam o limite do nosso conhecimento existente até agora.
Até aqui, chegamos
Essa é uma situação parecida com a frase em latim que aparecia nos mapas da Idade Média para indicar territórios desconhecidos ou perigosos: Hic sunt dracones (“aqui há dragões”).
O comprimento de Planck é a linha demarcatória após a qual a física que conhecemos já não pode ser aplicada. Suas leis se rompem, as ideias clássicas sobre a gravidade e o espaço-tempo deixam de ser válidas e dominam os efeitos quânticos.
Ao cruzar essa fronteira, as equações produzem apenas resultados absurdos.
“Nossa intuição funciona bem até atingir o comprimento de Planck”, segundo trogatz. A partir dali, “o conceito que temos do espaço perde o sentido”.
“Não sabemos o que acontece nessa escala”, explica ele. “Será que o Universo é um tabuleiro de xadrez ordenado feito de pixels ou algo totalmente maluco, vibrante e flutuante, como a superfície do oceano?”
Trata-se de uma escala na qual as coisas talvez fiquem muito agitadas e aleatórias – uma escala na qual as partículas existem e deixam de existir rapidamente. Uma escala na qual a gravidade, que é a força mais fraca de todas, talvez se torne dominante.
Ou talvez todas ou nenhuma das hipóteses anteriores.
Também não sabemos se existem comprimentos menores. Mas, até que chegue a próxima revolução científica, temos o comprimento de Planck, que é um pedacinho desse Universo desconhecido.
“O comprimento de Planck nos fala sobre o espaço vazio – esse espaço vazio cheio de matéria que se transforma em planetas, pessoas e tudo o mais”, afirma Strogatz. “É uma propriedade do panorama, do cenário onde tem lugar a física, a vida, tudo.”
“O mais básico é o vazio.”
Fonte: BBC