Os filmes e séries de espionagem sempre fizeram sucesso, mas nos últimos anos, parecem ter sido relegados a uma prateleira de menor relevância na indústria americana. Agora, a Netflix aposta em um retorno com sua nova série, O Agente Noturno, que adapta o livro homônimo de Matthew Quirk. Um agente precisa proteger uma jovem enquanto tenta entender quem está por trás de uma série de atentados e como eles se conectam à Casa Branca.
O sucesso de 24 Horas na televisão e da série Bourne nos cinemas estabeleceu parâmetros bem claros para as histórias de espionagem das últimas duas décadas. Ambas as obras ascenderam no auge da paranóia estadunidense resultante dos atentados de 2001. Surfar essa onda foi um caminho natural. Enquanto o seriado de Bauer aborda as forças militares e políticas americanas em uma perspectiva defensiva, localizando inimigos internos e externos que tentam minar o imperialismo yankee, os filmes de Jason Bourne até possuem um olhar mais crítico para a abordagem dos Estados Unidos para com seus próprios soldados.
Usando essas duas obras como parâmetro, O Agente Noturno se aproxima mais de 24 Horas (apesar de não serem muito parecidas em estética e proposta, ambas pertencerem ao mesmo subgênero e possuem essa estrutura “defensiva”, na qual os EUA são vítimas de uma ameaça invisível). É o caso clássico do agente correndo contra o tempo para resolver um problema. O interessante aqui é que o protagonista Peter Sutherland (Gabriel Basso) está bem longe de ser uma figura mitológica, lendária, como são Bauer e Bourne; é, na verdade, um agente de baixo escalão, praticamente um telefonista do FBI.
Com esse projeto de herói em mãos, a série trabalha bem a ideia de um espião enfrentando um desafio maior do que suas capacidades. O protagonista erra, aprende, reajusta, acerta, e isso dá humanidade à Peter, além de imprimir tensão ao andamento da história, já que não estamos diante de um personagem extremamente capacitado que vai tirar tudo de letra – e vale pontuar, se fosse o caso, não seria de forma algum um demérito, apenas outra forma de se contar uma história.
Em contraponto, O Agente Noturno parece se esforçar demais para se comunicar como a mídia original, o que nunca é bom, já que cinema e literatura são artes com linguagens diferentes. Há muitos momentos em que a história só avança quando toda a ação é interrompida para que longas explicações sejam dadas. Não é necessariamente um problema interromper a ação, mas passa a ser incômodo quando a informação precisa ser mastigada e repetida didaticamente para o espectador como se fosse um episódio de Cavaleiros do Zodíaco, em que o vilão passa quinze minutos explicando o golpe que vai aplicar nos quinze segundos seguintes.
Apesar de ter uma trama de espionagem um tanto quanto genérica, O Agente Noturno merece elogios por conseguir extrair humor de algumas representações um tanto quanto caricatas. Se a indústria é, nas últimas décadas, refém da ideia de que só é bom o que é verdadeiro, crível e realista, pelo menos essa ideia a série da Netflix consegue descartar e abraçar a cafonice quando necessário. A dupla de assassinos que persegue os protagonistas, por exemplo, é totalmente estereotipada, e parece oriunda de qualquer filme da Tela Quente. Uma adição divertidíssima para a trama.
É em momentos como esses, em que personagens destoantes como esses assassinos caricatos brilham, que a obra sai um pouco do genérico e parece se divertir por não se levar tão a sério. Falo como um elogio que O Agente Noturno traz de volta um sabor interessante de sessão da madrugada da Globo nos anos 2000, com histórias que não tentam ser tão grandiosas e se contentam em tramas rocambolescas e vilões dignos de um desenho infantil.
Fonte: Omelete