Muitos vírus conhecidos causam doenças e, por isso, a virologia os classifica como patógenos e os considera um dos principais “predadores” das cadeias alimentares. Mas, como a maioria dos predadores, os vírus também podem servir de alimento.
Nos últimos três anos, John DeLong, cientista da Universidade de Nebraska-Lincoln, nos Estados Unidos, investigou junto com seus colegas como algumas partículas de vírus se comportavam em lagos. Neste processo, a equipe descobriu que uma espécie do gênero Halteria — ciliados microscópicos encontrados em água doce — pode se alimentar de um grande número de Chlorovirus infecciosos que compartilham seu habitat aquático.
Os experimentos também mostraram que uma dieta apenas com vírus, ou dieta “virogênica”, é suficiente para alimentar o crescimento fisiológico e até mesmo o crescimento populacional dessa espécie de Halteria.
Comendo vírus
Não é de hoje que DeLong percebe a presença dos Chlorovirus na cadeia alimentar. Em 2016, o ecologista fez parceria com os virologistas James Van Etten e David Dunigan para mostrar que os Chlorovirus têm acesso às algas, que normalmente estão envoltas em um gênero de ciliados chamado Paramecium.
Poucos registros foram encontrados. Uma pesquisa da década de 1980 relatou que protistas unicelulares eram capazes de consumir vírus, mas não foi mais longe que isso. Alguns artigos suíços mostraram mais tarde que os protistas pareciam estar removendo vírus das águas residuais.
A falta de informações surpreendeu DeLong, que sabia que os vírus eram construídos não apenas no carbono, mas também em outros pilares elementares da vida.
“Eles são feitos de coisas realmente boas: ácidos nucléicos, muito nitrogênio e fósforo”, disse o ecologista, em comunicado. “Tantos organismos comem qualquer coisa que encontram. Certamente algum teria aprendido a comer essas matérias-primas”, completa.
Reciclagem de carbono
Os Chlorovirus são conhecidos por infectar algas verdes microscópicas. Uma vez instalados, eles costumam estourar seus hospedeiros unicelulares como balões espalhando carbono e outros elementos que sustentam o indivíduo no mar aberto. A partir daí, ocorre quase que um processo de reciclagem, o carbono pode ir para os predadores de criaturas minúsculas ou ser aspirado por outros microrganismos.
No entanto, o pesquisador destaca que se os ciliados realmente se alimentam dos vírus, a dieta virogênica pode estar contrabalançando a reciclagem de carbono. “É possível que esta dieta esteja ajudando e estimulando a fuga do carbono da escória da cadeia alimentar, garantindo uma mobilidade ascendente que os vírus suprimem de outra forma”, afirma o cientista.
Essa dinâmica diferenciada de alimentação, segundo os especialistas, deve mudar completamente a visão já estabelecida sobre o ciclo global de carbono. Ao comparar uma estimativa entre a quantidade de vírus, cilados e água há um enorme movimento de energia na cadeia alimentar, já que ciliados em lagos pequenos podem chegar a consumir cerca de três trilhões de vírus por dia.
Investigando hipóteses
Com alguns padrões já estabelecidos, o ecologista testou sua hipótese de um jeito simples. Após coletar amostras de água de um lago próximo, ele encurralou todos os microrganismos que conseguiu, independentemente da espécie, em gotas de água. Por fim, acrescentou porções generosas de Chlorovirus.
Depois de 24 horas, DeLong procurou nas gotas um sinal de que alguma espécie parecia estar se dando bem com o Chlorovirus e encontrou isso nos ciliados Halteria. Em dois dias a quantidade de vírus caia em até 100 vezes, enquanto a população de Halteria, sem nada para comer além do vírus, estava crescendo em média 15 vezes mais no mesmo período.
Para confirmar que o Halteria estava realmente consumindo o vírus, a equipe marcou parte do DNA do Chlorovirus com um corante verde fluorescente antes de introduzir o vírus nos ciliados. Não deu outra, o sistema digestivo dos ciliados logo ficou verde fluorescente.
Crescendo
O Halteria também converteu cerca de 17% da massa de Chlorovirus consumida em uma nova massa própria, correspondendo às porcentagens observadas quando um Paramecium come bactérias ou quando crustáceos comem algas.
“Alguns ciliados podem consumir partículas virais suficientes para promover o crescimento populacional em um nível semelhante ao crescimento protista em geral”, explicam os pesquisadores no estudo.
Agora, mais estudos são necessários para confirmar se esse processo de fato pode moldar a estrutura das teias alimentares, se há evolução e diversidade de espécies dentro deles ou se isso acaba influenciando numa resiliência diante das extinções.