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Maravilhosa Sra. Maisel quebra romantismo e assume tom agridoce na despedida

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Depois do duro chacoalhão de Lenny Bruce (Luke Kirby) no palco do Carnegie Hall, a expectativa era mesmo que Midge (Rachel Brosnahan) voltasse para a temporada final diferente. Mais pragmática, corajosa ou, pelo menos, determinada a deixar seu fracasso na turnê com Shy Baldwin (Leroy McClain) para trás e efetivamente encarar a vida no showbiz como ela é. No entanto, quando Maravilhosa Sra. Maisel começa sua despedida, nota-se que não foi só a protagonista que passou por um momento de ruptura. Ela está, sim, ávida a alcançar o devido reconhecimento pelo seu trabalho, e até disposta a levar alguns desaforos para casa — o que, para uma personagem como a Midge, é um esforço louvável. Mas, em um movimento ousado da criadora Amy Sherman-Palladino, a visão mais realista do experiente comediante transborda sem pudores para toda a série.

De repente, o romantismo ácido pelo qual a comédia era conhecida — evidente nos seus figurinos, cenários, trilha sonora e até nos diálogos adoravelmente insuportáveis — perde espaço para um contraponto mais amargo sobre o que significa ser bem-sucedido. E que fique claro: isso não significa que o esmero estético não esteja lá, ou que dessa vez as discussões do clã Maisel-Weissman sejam mal escritas. Na realidade, ao propor uma nova estrutura para os episódios, Maravilhosa Sra. Maisel traz uma perspectiva mais pé no chão para todos estes elementos, e isso basta para dar uma nova cara para o seriado.

Oferecendo ao espectador vislumbres do futuro, a série se despe do idealismo inevitável de imaginar como seria e pontua as consequências do que de fato foi. Assim, decisões narrativas que até então pareciam pequenas ou conveniências do roteiro, como o papel de figuração dos filhos de Midge e a dependência de Zelda (Matilda Szydagis), ganham peso dramático, e aos poucos a ideia de sucesso — e de felicidade — deixa de soar tão duradoura e absoluta. Fica posto, de forma inegável, que para cada escolha há um preço a se pagar e, nos vais-e-vens da vida, bagunçados como são, a aclamação e a frustração eventualmente se tornam companheiros inseparáveis.

É de se aplaudir o risco que Sherman-Palladino toma para explicitar sua tese, sobretudo pela forma com que a propõe. A mudança é abrupta, desconfortável e às vezes até chocante, e, como ela bem sabe, também implica em sacrifícios — mas alguns deles, infelizmente, pouco contornáveis. Ao criar uma espécie de colcha de retalhos dos momentos emblemáticos, do presente e do futuro, a série perde ritmo e fica mais pesarosa, intensificando seus próprios altos e baixos conforme submete seus personagens a uma jornada também de extremos. Como consequência, a perna final do que parecia ser o cerne da série, isto é, a caminhada de Midge ao sucesso, tem seu impacto e sua relevância subtraídos, e é difícil não se frustrar com isso. Da mesma forma, ainda que seja proposital a falta de linearidade, sobra a sensação de falta de acabamento, como se parecesse plausível também que a própria criadora não tivesse clareza de onde queria chegar. Personagens voltam apenas para ir embora de novo, velhas histórias são reabertas… E para quê?

Contudo, esta defesa de que um ou mais êxitos não resultam em plenitude parece um tema pessoal para Sherman-Palladino, e o visual de Susie (Alex Borstein) com o passar dos anos não deixa mentir. Trata-se de uma desconstrução válida de uma indústria que vende perfeições para quem está do lado de fora, enquanto os trâmites internos são bem menos belos, principalmente se você é uma mulher ou parte de qualquer grupo minoritário. Porque, como a série já sugeriu antes, mesmo quem emplaca ainda precisa conviver com seus pares questionando suas conquistas ou as atribuindo para outras pessoas — mais adiante, no melhor episódio da temporada, isso fica ainda mais claro —, e o passar dos anos sequer disfarça como tudo ainda segue dominado por um clube do bolinha. Como o próprio Lenny Bruce disse no final da temporada anterior, “90% do trabalho é como as pessoas te percebem”, e ser o “forasteiro” sempre vai depor contra você, por mais que você se adapte — e todos, de um jeito ou de outro, se adaptam.

Assim, o verniz que pintava as dinâmicas ansiogênicas entre os personagens também se desgasta, e o próprio espectador é deixado se questionando sobre o que está por trás do que antes era tão charmoso. Quer dizer, ao final de oito dos nove episódios da temporada, a crise de consciência é geral, inclusive do lado de cá da tela. A linha entre fracassos e triunfos fica tênue, e tudo vai para a balança, como se fosse deixado na mão do espectador responder: “valeu a pena?”.

Não existe resposta fácil ou certa. Afinal, Maravilhosa Sra. Maisel é e sempre foi uma série sobre uma mulher inteligente, corajosa, charmosa e falha, que questionou o status quo na mesma medida que repetiu tantas outras convenções. Alguém que venceu os traumas dos pais, mas criou outros para os filhos. Uma figura adorável e teimosa que, como todo mundo, tem seus fantasmas. Entretanto, dessa vez, com o argumento se sobrepondo tanto à série e tornando-a monótona — quando não repetitiva —, aparentemente Midge vira também a protagonista de quatro ótimas temporadas e uma não tão boa assim.

Maravilhosa Sra. Maisel é exibida às sextas no Prime Video.

Fonte: Omelete

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