Nunca foi um plano, que isso fique claro.
As temporadas regulares da Drag Race costumam ser filmadas no verão, entre julho e agosto de cada ano, com variações, é claro. Quem produz todo o conteúdo da corrida não é o canal que vai exibir esse conteúdo. A produtora por trás de tudo que sai do universo de RuPaul se chama World of Wonder e as temporadas são financiadas e cuidadas por ela. Durante as filmagens, conversas sobre contratos de exibição estão acontecendo e por essa razão os veículos que apresentam os episódios mudam frequentemente.
Até a temporada 9, os episódios do programa tinham 40 minutos sem intervalos. Episódios maiores eram comuns em finais ou começos de temporada (a temporada 8 teve um episódio maior no dia do baile, mas aquela já foi uma temporada mais curta). Porém, a razão pela qual não ficávamos com a sensação de que as coisas estavam corridas demais era a evidência do planejamento prévio de cada passo daqueles ciclos. Até a temporada 9, os diretores da Drag Race sabiam que os episódios teriam apenas 40 minutos úteis; por isso, nada de desafios individuais, Snatch Game, bailes, até que o número de participantes diminuísse.
Quando chegamos na temporada 10, os episódios exibidos pelo VH1 começaram com o formato de 60 minutos úteis. Eram 20 a mais; o suficiente para permitir que Ru começasse a brincar com o formato sem se preocupar com tempo. Foi aí que começaram as inversões de temática entre os episódios, com bailes logo no começo, Snatch Games com mais concorrentes e – recentemente – com até mais que 1 personagem. RuPaul e a WoW sabiam – enquanto filmavam as temporadas – que teriam mais espaço.
Foi apenas no episódio 11, já na reta final, que o formato de 60 minutos foi devolvido. E aí começamos o nosso looping de especulações… As meninas que foram eliminadas entre o episódio 3 e o episódio 10 tiveram suas narrativas abduzidas da edição. Comentários espertos dos jurados, deliberações esclarecedoras, momentos engraçados ou emocionais na passarela… Tudo isso foi jogado no mesmo limbo em que está a trajetória REAL de Sherry Pie na temporada 12. Jamais saberemos o que aconteceu; é como se as temporadas 12 e 15 fossem peças do multiverso; versões de uma verdade única que jamais virá a público. É enervante.
Delusion: Convince Yourself
É claro que a grande ironia viria em seguida, com a temporada 15 tendo um elenco cheio de potencial. Sozinhas, Lux, Mistress, Loosey e Malaysia poderiam segurar todo o veneno da temporada. Se Irene não tivesse saído tão cedo, também apostaria nela. Ainda tínhamos o talento em boa parte dessas equações, com as adições de Sasha, Anetra e Marcia Marcia Marcia. Mesmo retardatárias esse ano tinham coisas para mostrar. As gêmeas, por exemplo, acabaram sendo uma presença muito mais calorosa do que imaginávamos.
Na superfície, essa foi a temporada das “eras”. Mas, na verdade, a maior era desse ano foi a ERA DELUSIONAL. Acho que nunca tinha visto um grupo de favoritas que tivesse brigado tanto – sem saber – pelo título de “me acho muito mais do que eu sou”. Quase toda rejeição nesse sentido caiu por cima de Loosey (que era quem se expunha mais), mas nessa narrativa do “sou poderosa, sou gostosa, sou sexy, falo na cara”, mais da metade do elenco perdeu perspectiva e se aproveitou da “cultura do shade” para ser mesquinho com absolvição.
Se todo ano as decisões dos jurados já pareciam malucas, nesse ano em que nem víamos o que eles diziam, ainda mais. Mistress usava a mesma silhueta e a mesma peruca toda semana, mas não era “genérica”. Lux pisou na passarela semana após semana quibando um look famoso e sumindo nos desafios em grupo, mas não era “genérica”. Anetra dublou zilhões de vezes, se valia somente de sua performance de palco, mas não era “genérica”… Loosey – equalizada com todas elas – trabalhou e entregou mais que Anetra no Rusical; mas, os jurados eram incapazes de ouvir além do que eles chamavam de “carisma”. Lembram-se de Kandy Muse ficando, e ficando, e ficando…? A coisa mais carismática que Kandy Muse fez foi ficar sentada quieta numa balada.
Do ponto de vista do entretenimento, foi um deleite. Era ótimo ver Mistress e Lux perseguindo Loosey deliberadamente, só pela implicância, sem nenhum motivo diferente do que elas mesmas eram; apenas para quebrarem a cara ao quebrarem – também – a regra número 1 de RuPaul: bullies não são coroadas. Tyra Sanchez foi a última e a gente já sabe no que deu. Bianca, Bob, Violet… todas as rainhas que tinham características combativas tiveram tempo de se redimir na edição. Atacar a colega, invalidar a colega, apostar na amargura não funciona NUNCA. Kennedy Davenport e Ginger Minj estão aí para comprovar a teoria.
No núcleo dos realities enquanto gênero, as emoções extremas fazem parte da receita. Quando a gente ama muito alguém ou odeia muito alguém, estamos sinalizando uma edição bem-sucedida. Reality Show é metade caos e metade dramaturgia involuntária; tem protagonistas, coadjuvantes, figurantes, intrigas, afetos e torcida. Esse ano tivemos tudo isso, com direito a uma heroína muito talentosa, interessante, veterana e relevante. Tem tudo que as outras têm, mas não tem a atitude super eloquente que promete muito mais do que cumpre.
Para mim é lamentável que depois de um discurso ridículo como o de Lux no dia da pergunta sobre quem deveria ir embora, ela tenha sido festejada pela sua “ousadia”, ao invés de ser chamada à mesma realidade que Laganja Stranja no dia em que RuPaul eviscerou sua verdadeira face na passarela. Não há NADA que Lux ou Mistress façam que seja melhor que o que Loosey faz. Loosey é melhor que elas? Não! Elas é que são iguais a Loosey. São todas genéricas. Todas vivendo a mais profusa delusional era.
Fica disso tudo a vitória de Sasha no dia em que Jinkx Moonson volta ao palco da finale para cantar a canção de sua personagem em Chicago. No clipe que vimos dela dizendo a Ru que seu sonho era performar como Drag na Broadway, está embutida a mensagem mais importante da corrida, e que nada tem a ver com shade e com conflito. Uma verdadeira Rainha pisa ali para inspirar. Jinkx é a epítome da inspiração, é a primeira vencedora a carregar o nome da corrida pelas estradas mais importantes e simbólicas. Sasha será uma delas muito em breve, tenho certeza. É o que diz a canção… se você é boa para Mama, Mama é boa para você.
Está definido…
… que essa foi uma das melhores finales de todos os tempos. O formato de performances no palco ao invés das batalhas me soa mais justo. Anetra, por exemplo, me decepcionou bastante e fez sentido para mim que ela não tivesse passado. Sasha parecia a mais preparada e isso é outra confirmação de que o planejamento da sua apresentação nesse dia conta sim. Shea perdeu a temporada 9 porque superestimou sua trajetória e foi negligente com a performance final.
Além disso, os VT’s sobre a situação sócio-política dos EUA foram acertadíssimos e embelezados pela presença de Jinkx, mostrando que a arte drag pode chegar muito mais longe, sempre. Não acho que Malaysia merecia o Miss Simpatia; mas, tampouco acho que alguém merecia; talvez Spice, que chegou até bem longe na temporada levando com bom humor a completa descrença que as outras tinham dela.
Está a definir…
… o futuro do formato Caravana das Drags. Aproveitando esse texto sobre a arte drag, preciso mencionar que os três primeiros episódios foram potenciais, mas problemáticos. A direção do programa não parece ter muita noção de como funcionam as diretrizes de um reality show. Falta clímax, falta relevância para o júri, falta drama, falta sentido e caminho na edição. Até agora, a temporada está vanilla, inofensiva, esterilizada. E a presença de Xuxa (que eu AMO) é desnecessária. Ikaro segura tudo muito bem e seria, aliás, uma ótima apresentadora para a Drag Race Brasil.
Para terminar, aqui está o tradicional vídeo com a reação REAL da vencedora da temporada 15. Sempre são gravados finais alternativos e elas só sabem quem ganha na hora da exibição. Destaque para Mistress querendo faturar uma grana e Lux não conseguindo disfarçar seu desconforto.
Espero vocês nos All Stars.