O Uber chega à Bolsa. O aplicativo de transporte concorrente dos táxis chega a Wall Street com um valor de mercado inicial de 82,4 bilhões de dólares (cerca de 325,2 bilhões de reais). O preço da ação foi fixado em 45 dólares por título, com o qual a empresa levantaria 8,1 bilhões com a oferta pública inicial de ações (IPO na sigla em inglês). Trata-se de uma avaliação bastante prudente dos títulos e mesmo assim é a maior colocação em Bolsa desde o lançamento do portal de comércio eletrônico chinês Alibaba em 2014 e o IPO mais pujante para uma empresa de tecnologia norte-americana desde o lançamento de ações do Facebook, em 2012.
A Uber chega ao pregão em um momento diferente daquele experimentado por outros gigantes tecnológicos em suas estreias: tem um modelo de negócio cada vez mais caro e um crescimento em desaceleração. A empresa ainda tem quedas de braço regulatórias em muitos países e conflitos por causa de seu modelo de trabalho. Ganhar dinheiro será seu principal desafio.
Garrett Camp e Travis Kalanick são os pais da Uber. Fundaram a plataforma baseada em um aplicativo móvel dois anos depois da introdução do iPhone. O serviço foi chamado inicialmente de UberCab e se destinava a clientes de alto poder aquisitivo. O crescimento foi muito rápido. Atualmente a Uber opera em 700 cidades, em 63 países. Intermedeia 15 milhões de viagens diárias. Mas seu surgimento criou tensão com as empresas tradicionais de táxi (que têm de compartilhar o negócio de transporte urbano) e as autoridades locais, que em alguns países provocou protestos por causa das condições de trabalho em que os motoristas operam.
A empresa também foi objeto de uma série de escândalos éticos (especialmente por conta do tratamento dispensado à sua equipe e acusações de sexismo) que obrigaram Kalanick a se demitir como CEO há dois anos e o obrigaram a introduzir importantes mudanças internas. A Bolsa de Nova York não permitiu a presença do fundador no pregão no momento da estreia das ações, razão pela qual ele terá de acompanhar tudo da sede em São Francisco. As práticas comerciais continuam sendo investigadas pelo Departamento de Justiça e outros órgãos reguladores.
Tentativa de mudar a imagem
A Uber é dirigida por Dara Khosrowshahi. A prioridade imediata do executivo foi melhorar a imagem da empresa. Ao mesmo tempo, se desfez das partes do negócio que eram menos lucrativas e saiu dos mercados onde não poderia competir com os atores locais. Paralelamente, nessa corrida para alcançar lucros, expandiu a plataforma a outros serviços de mobilidade como patinetes elétricos compartilhados, entrega de comida a domicílio e o carro autônomo.
Apesar dessas iniciativas, a Uber está desacelerando devido à pressão competitiva dentro e fora dos EUA. No primeiro trimestre, teve um aumento de receita de 20%, diante de 70% no mesmo período do ano passado. Em 2018 a cifra foi de 42%, depois de ter mais do que dobrado o faturamento no exercício anterior. Os consumidores que usam ativamente a plataforma aumentaram 33% no ano, atingindo 93 milhões no fim do trimestre. Há um ano, esse aumento superou os 50%.
O IPO da Uber acontece seis semanas depois do da Lyft, sua rival mais direta, especialmente nos Estados Unidos (oferecem o mesmo serviço) e cuja cotação já caiu 25% em relação ao preço inicial em Wall Street. Os investidores tentam entender se as duas empresas de mobilidade serão capazes de tirar suas contas do vermelho. No caso da rival, teve perdas de cerca de um bilhão de dólares em 2018 e no primeiro trimestre as multiplicou por cinco em relação ao mesmo período do ano passado, atingindo1,14 bilhão. O negativo é quase o dobro do que faturou nesse período, que dobrou no ano.
No entanto, existem exemplos de que os IPOs estão indo bem. É o caso do serviço de teleconferência Zoom Video, cujo valor das ações dobrou desde o lançamento. O mesmo aconteceu com a PagerDuty, enquanto a plataforma social Pinterest valorizou 60%. Outro dos unicórnios que acaba de estrear é a Beyond Meat, cujo valor triplicou no primeiro dia. Mas a Uber e a Lyft perdem de longe mais dinheiro do que qualquer outra empresa que chegou antes a Wall Street.
O complicado precedente da Lyft
Alguns meses atrás, a Uber foi avaliada em 120 bilhões. Mas o comportamento da Lyft obrigou os bancos que lideram o IPO a serem conservadores. A demanda superava apenas cinco vezes a oferta. O primeiro intervalo de referência, de 44 a 50 dólares, lhe dava um valor máximo de 91,5 bilhões. Mesmo na parte inferior da faixa, é a terceira maior abertura de capital em Wall Street, atrás dos 167 bilhões de dólares do Alibaba e dos 104 bilhões do Facebook.
Em termos de arrecadação, o Alibaba vendeu 25 bilhões em ações, enquanto o Facebook embolsou 16 bilhões. Também está longe dos quase 20 bilhões da Visa e dos 18 bilhões da General Motors. A Uber reservou 3% dos títulos para que os motoristas que participam do serviço possam comprá-los ao preço do IPO. Também reservou 500 milhões de dólares em ações para o PayPal, por um valor equivalente ao do IPO.
Riscos e condições de trabalho
A informação dada ao órgão regulador do mercado de ações para preparar o IPO indicava que a Uber está investindo pesado para manter seu domínio. Gastou 14,3 bilhões de dólares em 2018, principalmente em subsídios para atrair motoristas e usuários. O valor é quase 20% do que no exercício anterior. Isso gerou perdas de 1,8 bilhão, a metade do prejuízo que teve em 2017. No primeiro trimestre o prejuízo rondava o 1,1 bilhão.
A parte da brochura do IPO dedicada aos riscos tem 35.000 palavras. Começando pelos motoristas, os identifica como terceirizados (autônomos) e não como empregados. Isso a isenta de pagar-lhes um salário mínimo e cobertura de saúde. Se isso mudar por uma decisão judicial ou por imposição das autoridades locais, o custo será alto. A regulamentação do serviço também pode reduzir sua capacidade de inovar.
A habilidade que teve para evitar a regulamentação foi fundamental para a expansão da empresa. Mas isso criou um problema de relações públicas que a Uber continua a arrastar. Quanto aos projetos de expansão e diversificação em andamento, a implantação dos robôs-táxi será fundamental para sua lucratividade futura. Mas a concorrência cresce com o Waymo do Google e a Tesla. Também nas entregas a domicílio.
El País