A preocupação global vem crescendo em relação a ameaças de violência em diferentes países, inclusive os Estados Unidos. As Nações Unidas reportam que a proliferação de discursos perigosos online representa uma “nova era” em conflitos. Discurso perigoso é definido como comunicação que encoraja uma audiência a conduzir ou infligir o mal. Geralmente esse mal é dirigido de um círculo fechado (nós) contra um grupo externo (eles) — embora também possa provocar prejuízos internos no caso de cultos suicidas.
A legislação americana parte do princípio que um discurso perigoso deve conter chamadas explícitas para ação criminosa. Mas estudiosos que pesquisam sobre discursos e propagandas que precedem atos de violência consideram que comandos diretos para a violência são raros.
Outros elementos são mais comuns. Aqui estão alguns dos sinais de alerta.
1. Esquentando as emoções
Psicólogos analisaram o conteúdo emocional de discursos de líderes conhecidos por insuflar suas plateias, como Hitler e Gandhi, avaliando o quanto medo, alegria, tristeza e assim por diante estavam presentes. Eles então testaram se os níveis de emoção poderiam prever se certo discurso antecipa violência ou não violência.
Eles descobriram que as seguintes emoções, combinadas particularmente, poderiam acender a violência:
– Raiva: o orador dá à plateia razões para ficar com raiva, frequentemente apontando quem deveria ser responsabilizado por tal sentimento.
– Desprezo: o grupo externo (eles) é tratado como inferior ao círculo interno (nós), portanto não merecedor de respeito.
– Nojo: o grupo externo é descrito como tão revoltante, que não merece nem o tratamento humano mais básico.
2. Construindo a ameaça
Ao estudar discursos políticos e propaganda que inspiraram violência, pesquisadores identificaram temas que podem mexer com essas emoções poderosas. Os alvos de discursos perigosos são frequentemente desumanizados, descritos como desprovidos de qualidades consideradas fundamentais dos seres humanos — empatia, inteligência, valores, habilidades, autocontrole.
Geralmente, grupos externos são descritos como perversos, por causa de sua dita falta de moralidade. Eles também podem ser descritos como animalescos ou pior. Durante o genocídio de Ruanda, Tutsis eram descritos como baratas nas propagandas Hutu.
Para construir uma “história de ódio”, um cara bom é necessário para se opor ao vilão. Então quaisquer que sejam as qualidades desumanas presentes no grupo externo, qualidades opostas estão presentes no grupo interno. Se “eles” são o anticristo, “nós” somos os filhos de Deus.
Supostos erros do passado cometidos pelo grupo externo contra o grupo interno são usados para posicionar o grupo externo como uma ameaça. Em casos de conflito duradouro entre os grupos, como acontece entre israelenses e palestinos, pode haver exemplos de erros cometidos por ambos os lados. Discursos perigosos eficazes omitem, minimizam ou justificam erros antigos cometidos por membros do grupo interno, ao mesmo tempo em que exacerbam os erros cometidos pelo grupo externo.
“Vitimismo competitivo” é usado para retratar o grupo interno como a vítima “real” — especialmente se os “inocentes” do grupo interno, como mulheres e crianças, foram prejudicadas pelo outro grupo. Às vezes, atos passados do grupo externo são criados e usados como motivo para o azar do grupo interno. Por exemplo, Hitler culpava os judeus pela derrota da Alemanha na Primeira Guerra Mundial.
Uma invenção particularmente perigosa ocorre quando o grupo externo é acusado de conspirar contra o grupo interno os males que o grupo interno está planejando, se não de fato cometendo, contra o grupo externo. Pesquisadores adotaram o termo “acusações em espelho” quando essa estratégia foi explicitamente descrita em um guia de propaganda Hutu após o genocídio em Ruanda.
3. Desequilibrando a bússola moral
Um discurso perigoso eficaz faz as pessoas superarem resistências internas de infligir o mal. Isso pode ser alcançado ao fazer com que pareça não haver outras opções para defender o grupo interno da ameaça apresentada pelo grupo externo. Opções menos extremas são consideradas ineficazes ou exauridas. O grupo externo não pode ser “salvo”.
Ao mesmo tempo, os oradores usam eufemismos na rotulação para fornecer termos mais palatáveis para a violência, como “limpeza” ou “defesa” em vez de “assassinato”. Ou podem usar a “conversa da virtude” para defender que há honra em lutar, e desonra em não lutar. Depois de fazer com que seus seguidores matassem seus filhos e depois a si mesmos, Jim Jones, líder de um culto, chamou isso “um ato de suicídio revolucionário protestando contra as condições de um mundo desumano”.
Às vezes, o grupo interno sofre de uma ilusão de invulnerabilidade e sequer considera a possibilidade de consequências negativas de suas ações, porque têm tanta confiança na justiça de sua causa e integridade de seu grupo. Se algum tipo de consideração é feita em relação à vida pós-violência, ela é descrita somente como boa para o grupo interno.
Em contraste, se o grupo externo ganha a permissão para existir, obter controle ou colocar em práticas seus planos desonestos, o futuro é assustador; não só vai significar a destruição de tudo que o grupo interno considera importante, como talvez represente o fim do grupo interno em si.
Esses são só alguns dos destaques de discursos perigosos identificados ao longo de décadas de pesquisas por historiadores e cientistas sociais que estudam genocídios, cultos, conflitos entre grupos e propaganda. Não é uma lista exaustiva. E nem todos esses elementos precisam estar presentes para um discurso promover o mal. Também não há garantia de que a presença desses fatores definitivamente leva ao mal — assim como não há garantia de que fumar cause câncer, embora certamente aumente o risco.
O poder de persuasão de um discurso também depende de outras variáveis, como o carisma do orador, a receptividade da audiência, o meio em que a mensagem é entregue e o contexto em que ela é recebida.
No entanto, os elementos descritos acima são sinais de alerta de que um discurso tem como intenção promover e justificar a inflição do mal. As pessoas podem resistir ao chamado à violência ao reconhecer esses sinais sozinhas. A prevenção é possível.
H. Colleen Sinclair é professora associada de Psicologia Social na Universidade do Estado do Mississippi (EUA). Este artigo foi originalmente publicado em inglês no site The Conversation