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Por que 2021 é um ano decisivo para o cumprimento do Acordo de Paris

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Em novembro de 2021, representantes dos países-membros da Organização das Nações Unidas (ONU) se reunirão por 12 dias para estabelecer novas metas e estratégias capazes de frear o avanço de um inimigo comum: a emergência climática. Sediada em Glasgow, na Escócia, a 26ª Conferência das Partes sobre a Mudança Climática (COP26) será marcada pelo terceiro (e tão aguardado) encontro entre os 195 países signatários do Acordo de Paris. O evento, que seria realizado em novembro do ano passado, foi adiado por conta da pandemia de Covid-19 e tem gerado ansiedade e preocupação entre a comunidade científica, ativistas do clima e governantes de todo o mundo.

Isso porque já se passaram cinco anos desde a assinatura do acordo climático e, como determina o documento, está na hora de fazer um balanço do que foi feito nesses primeiros anos em prol da redução de emissão de gases do efeito estufa (GEE), além de elaborar novas estratégias para mitigar o aquecimento global. Até o fim de 2020, 75 signatários (que representam 30% das emissões do planeta) submeteram à ONU suas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs, na sigla em inglês), documentos em que os governos especificam quais metas e medidas serão implementadas a curto, médio e longo prazo para diminuir as emissões. Não bastasse o baixo número de submissões, as expectativas em relação a boa parte do que foi proposto são desanimadoras.

Na avaliação do órgão, a percepção geral é de que as iniciativas apresentadas pelos países são insuficientes para frear o aumento da temperatura do planeta. “Os governos estão longe do nível de ambição necessário para limitar as mudanças climáticas a 1,5 °C e cumprir os objetivos do Acordo de Paris”, analisa o secretário-geral da ONU, António Guterres, em comunicado publicado no dia 26 de fevereiro de 2021. Por isso, a orientação dada aos países que deixaram seus planos a desejar é que, até a realização da COP26, as metas nacionais sejam refeitas de modo a contribuir efetivamente para o controle da emergência climática. “A ciência é clara: para limitar o aumento da temperatura global em 1,5 °C, devemos cortar as emissões globais em 45% até 2030, em relação aos níveis de 2010”, lembra Guterres.

Com o prazo final cada vez mais próximo, se antes o assunto era urgente, agora ações pela redução de emissão são cruciais. Por isso, 2021 é um ano decisivo para o cumprimento do Acordo de Paris e a prevenção de um verdadeiro cataclismo, como prevê o Fórum Econômico Mundial. A entidade compara o cenário atual ao jogo Jenga, em que o desafio é manter uma torre em pé ao mesmo tempo em que se retira os blocos que a sustentam. “Por gerações, tiramos lentamente os blocos. Mas, em algum ponto, removeremos um bloco fundamental, como o colapso de um dos principais sistemas de circulação oceânica global, por exemplo, a Circulação de Revolvimento Meridional do Atlântico (AMOC), que fará com que todo ou parte do sistema climático global caia em uma emergência planetária”, profetiza Peter Giger, diretor de uma empresa de seguros da Suíça, em um artigo publicado em janeiro no site do Fórum. Para começar a dar os primeiros passos em direção a um futuro mais verde (e otimista), devemos analisar como chegamos até aqui.

O passado nos condena

Não é de hoje que a comunidade científica tem alertado para as consequências climáticas induzidas pelo modo de produção e consumo impulsionado pela Revolução Industrial desde o século 18. O uso em larga escala de combustíveis fósseis, como o carvão e o petróleo, beneficiou a economia global, mas acarretou uma série de problemas ambientais, como a exploração indiscriminada de recursos não renováveis e a emissão de gases poluentes a partir da queima e extração de combustíveis.

Para ter ideia, segundo estimativa publicada em dezembro de 2020 na revista Earth System Science Data pela rede de cientistas Future Earth, 34 bilhões de toneladas de dióxido de carbono (CO2 ) foram emitidas por essas fontes no ano passado. O planeta não consegue absorver uma quantidade tão grande desse gás, que vai se acumulando na atmosfera e pode permanecer nela por até 150 anos. E não para por aí: esse e outros gases, como o metano (que pode ficar na atmosfera por uma década), absorvem radiação infravermelha, criando o famigerado efeito estufa e aumentando a temperatura global.

Os primeiros alertas de que algo não ia bem com o modo de produção que baseia a economia global começaram a chamar atenção na década de 1970, com a publicação do livro Limites do Crescimento, em 1972. Elaborada por pesquisadores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos, a obra destaca o fato dos combustíveis fósseis serem recursos finitos e, portanto, de uso insustentável a longo prazo — constatação apoiada pela crise do petróleo que se alastrava naquela mesma época. “Ali se percebeu que uma economia baseada em um único subsídio, os combustíveis fósseis, tornava o modelo de desenvolvimento muito vulnerável”, analisa Karen Oliveira, geóloga e gerente de Relações Institucionais e Governamentais na The Nature Conservancy (TNC) Brasil.

A publicação do MIT foi feita a pedido do Clube de Roma, um grupo de intelectuais criado nos anos 1960 que promovia debates sobre assuntos que tangiam economia e meio ambiente. No mesmo ano de seu lançamento, o documento embasou discussões na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, também conhecida como Conferência de Estocolmo, que foi o primeiro grande encontro promovido pela ONU para discutir questões ambientais a nível global.

Vinte e cinco anos mais tarde, em 1997, foi assinado o Protocolo de Quioto, que esteve em vigor entre os anos de 2005 e 2012 e estabelecia pela primeira vez metas de redução de carbono para países do mundo todo. A proposta era que, entre 2008 e 2012, as emissões de gases estufa fossem diminuídas em, no mínimo, 5,2% em relação aos níveis de 1990. A cada país foram aplicadas metas de redução diferentes, havendo mais cobranças sobre os países desenvolvidos, responsáveis pela maior parte da poluição.

O Protocolo previa ainda o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), baseado no cap-and-trade (limitar e negociar). Essa estratégia de flexibilização permite que países ricos
compensem o excedente de emissões por créditos de carbono gerados a partir de iniciativas verdes de países em desenvolvimento. “Ainda que seja interessante, a aplicação desse modelo tem impactos diferentes em nações ricas e vulneráveis, que não têm as mesmas condições de inovação”, avalia Oliveira. “Começou-se a perceber que o Protocolo limitava o crescimento de países desenvolvidos e não necessariamente impulsionava a tecnologia dos mais pobres.”

Em 2016, foi assinado o Acordo de Paris, cujo principal objetivo é assegurar que o aumento da temperatura média global não ultrapasse 2 °C em relação aos níveis pré-industriais — preferencialmente, o limite deve ser de 1,5 °C. Segundo a especialista da TNC Brasil, uma das maiores novidades trazidas por esse documento é a substituição do modelo MDL pelo mercado de carbono. “Ele deixa de ter um caráter mais engessado e passa a trabalhar com o conceito de mercado: da competitividade e da possibilidade de ter créditos de carbono baratos para poder vender, comprar e investir no meio ambiente”, explica. Com isso, a emissão de carbono passa a ser uma commodity, tendo seu preço determinado pela oferta e demanda internacional.

A aplicação desse modelo, porém, também tem seus desafios. Enquanto países da União Europeia e a Nova Zelândia, por exemplo, já avançaram na discussão e até mesmo na regulação desse mercado, a maior parte das nações ainda estuda como viabilizar esse novo mecanismo. É o caso do Brasil, que além de não contar com mercado regulado de carbono, também é um dos países apontados pela ONU como tendo objetivos pouco ambiciosos, que não refletirão em uma menor emissão do poluente. A orientação é que essas nações devem apresentar novas metas e estratégias até novembro, durante a COP26.

A nossa (triste) situação

Em 8 de dezembro de 2020, o governo brasileiro transmitiu sua NDC à ONU. Tendo o ano de 2005 como base, ela propõe reduzir em 43% as emissões de carbono brasileiras até 2030 e atingir a neutralidade em 2060. Apesar de o governo federal afirmar, em nota, que “a NDC brasileira é uma das mais ambiciosas do mundo”, especialistas do clima logo questionaram e se contrapuseram a essa constatação.

O Observatório do Clima, rede formada por entidades brasileiras que discutem e combatem o aquecimento global, classificou a NDC brasileira como “insuficiente e imoral”, em comunicado à imprensa. Na mesma data em que o documento foi submetido às Nações Unidas, o Observatório publicou sua própria versão da proposta, mais alinhada com os objetivos do Acordo de Paris e com iniciativas mais robustas no enfrentamento das mudanças climáticas. De acordo com o relatório feito pela rede, que também teve o ano de 2005 como referência, o Brasil deveria reduzir as emissões em 81% até 2030. Além disso, uma meta verdadeiramente ambiciosa e em concordância com o restante do planeta seria se comprometer a zerar as emissões em 2050, uma década antes do que foi proposto pelo governo.

Para Leonardo Nascimento, analista de políticas climáticas do NewClimate Institute, organização internacional que mapeia, avalia e compara ações de mitigação das mudanças do clima em todo o planeta, uma das falhas do governo brasileiro foi se basear em um  inventário desatualizado para propor a meta. A base de cálculo utilizada foi a do Segundo Inventário de Emissões de Gases de Efeito Estufa, que estimava que, em 2005, o valor absoluto dos gases emitidos foi de 2,1 bilhões de toneladas. Na verdade, de acordo com a terceira edição do inventário, sua versão mais atualizada, naquele ano foram emitidas 2,8 bilhões de toneladas. “O primeiro passo para o Brasil é aumentar a ambição da meta que foi submetida no final do ano passado”, opina Nascimento. Ele defende que, para isso, o governo precisa se comprometer a combater o desmatamento ilegal nos próximos 10 anos — o que, infelizmente, não deve acontecer, já que esse compromisso estava presente na NDC anterior e foi retirado do documento submetido no ano passado.

E não só por isso. A recente escalada nos índices de desmatamento nos afasta de atingir o objetivo. Só na Amazônia, a perda de árvores em 2020 cresceu 30% em comparação
a 2019, segundo levantamento feito pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). Em um ano, a floresta tropical perdeu 8.058 km² de área verde, o maior
número da última década. Isso somado às queimadas e ao avanço da agropecuária faz da região uma preocupante produtora de poluentes.

Não à toa, é lá onde está a maioria das cidades brasileiras campeãs em emissão de CO2 . Um levantamento do Observatório do Clima divulgado em março revela que sete dos dez municípios que mais poluem no país estão na Amazônia: São Félix do Xingu (PA), em primeiro lugar; Altamira (PA), em segundo; Porto Velho, em terceiro; Pacajá (PA), em quinto; Colniza (MT), em sexto; Lábrea (AM), em sétimo; e Novo Repartimento (PA), em oitavo.

Nascimento sugere que o Brasil deveria seguir o exemplo da Costa Rica. Apesar de ser um país muito menor, que não tem os desafios de uma nação continental como a nossa, a Costa Rica também tem uma matriz energética baseada em hidrelétricas — que emitem pouco carbono — e conta com uma abundante área verde. “A diferença é que as florestas costarriquenhas absorvem mais carbono do que emitem, ao contrário das brasileiras. Isso porque o país faz uma boa gestão e fiscalização das suas florestas”, avalia o analista de políticas climáticas.

No caso da Costa Rica, o setor que mais emite GEE é o de transporte. Por isso, a NDC do país apresenta novos planos para estruturar essa matriz, investindo em veículos elétricos. Há ainda metas de curto, médio e longo prazo que ajudam a nação a cumprir o Acordo de Paris e alcançar a neutralidade de carbono até 2050. “Além de ter proposto zerar emissões líquidas apenas em 2060, o Brasil não apresentou nenhum detalhe sobre como o governo pretende atingir esse objetivo”, acrescenta Nascimento.

Investimento verde

Outro passo importante que o Brasil precisa dar para se adequar ao Acordo de Paris é a criação de um marco regulatório para o mercado de carbono. Uma proposta já tem sido elaborada pelo Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) com apoio do Ministério da Economia. A iniciativa foi aprovada pelo Partnership for Market Readiness (PMR), um projeto do Banco Mundial em parceria com o governo brasileiro em que foram discutidas as melhores formas de criar uma legislação para esse mercado. Agora, a proposta aguarda o avanço para uma segunda fase, a Partnership for Market Implementation (PMI), que vai ajudar a implementar esse mercado no país. “O que estamos fazendo é decidir como as emissões serão relatadas e verificadas, e avaliando quais instituições ficaram responsáveis por cada processo”, detalha Karen Tanaka, gerente técnica para Energia, Mudança do Clima e Finanças Sustentáveis no CEBDS.

Segundo a especialista, a criação de um marco regulatório ajudará a institucionalizar a redução de carbono em grandes empresas brasileiras. “Atualmente, já contamos com um mercado voluntário forte no país — o que é muito positivo, mas não resolverá o problema a longo prazo”, avisa. Por aqui, as empresas ainda não são obrigadas a diminuir suas emissões. Apenas aquelas que têm interesse, objetivos ou iniciativas verdes procuram negociar créditos de carbono no mercado.

Para Tanaka, esse cenário deve mudar logo. “Não se trata apenas de fazer projetos sociais, é sobre uma total readequação dos negócios para atender um planeta que já passou dos limites.” E as empresas já estão percebendo isso.

“A proposta do CEBDS, por exemplo, é feita pelo setor empresarial, que, apesar de ser o primeiro a ter suas emissões limitadas, está interessado nisso. O setor que vai ser regulado está pedindo para ser regulado. Isso não é algo muito fácil de acontecer.”

Na avaliação de Gabriel Estevam Domingos, diretor de pesquisa de desenvolvimento da Ambipar, empresa brasileira que é referência internacional em soluções ambientais, o mercado privado exerce um papel fundamental nesta nova prática econômica enquanto não há regulação pelo Estado. “Se essa falta de definição no âmbito político prejudica a performance brasileira na redução de emissões, por outro lado, o mercado voluntário e privado segue à frente nessa iniciativa”, analisa.

O interesse vem, afinal, das oportunidades de crescimento que o mercado de carbono tem apresentado. Segundo uma pesquisa da Refinitiv, empresa que avalia o mercado financeiro, em 2020, o valor do setor cresceu quase 20%, batendo recorde de 229 bilhões de euros. Cerca de 90% desse montante está concentrado no Regime Comunitário de Licenças de Emissão da União Europeia (EU-ETS, na sigla em inglês), o mercado regulado europeu. Isso mostra que países que já se prepararam para esse novo mercado estão colhendo os frutos econômicos da redução de emissão de GEEs. “Sem um mercado regulado, o Brasil corre um risco de ficar à mercê de um modelo externo e de ter que atender a cada um desses modelos que vierem de fora, perdendo competitividade no mercado”, adverte a gerente técnica do CEBDS.

Por isso, até junho serão definidos os últimos detalhes para a implementação do mercado regulado brasileiro, que será realizado de forma gradual, voltado para instituições dos setores da indústria e energia que emitem de 50 a 100 quilotoneladas de carbono. Mudanças estruturais devem ajudar a cumprir as metas do Acordo de Paris e driblar as previsões cataclísmicas em torno das mudanças climáticas. Ou não.

Ações urgentes

Segundo um estudo publicado em fevereiro na Communications Earth & Environment, periódico de acesso aberto da Nature, se quisermos limitar o aumento da temperatura a 2°C, as metas globais deveriam ser 80% mais ambiciosas do que as propostas pelo Acordo de Paris. Isso significa que a redução média de emissões de carbono precisaria ser de 1,8% ao ano, e não de 1%, como proposto. Países que têm conseguido cumprir o acordo teriam novas metas mais baixas, como o Reino Unido, que precisaria de um crescimento de apenas 17%. Já aqueles que prometeram cortes mas, na prática, passaram a emitir mais, caso do Brasil e da Coreia do Sul, precisam de um impulso maior para compensar o desperdício. Os pesquisadores Peiran R. Liu e Adrian E. Raftery, da Universidade de Washington, nos Estados Unidos, sugerem que, para garantir mais agilidade nas análises, as metas sejam reavaliadas anualmente, e não a cada cinco anos, como orienta o Acordo de Paris.

Em outro trabalho, orientado por estudiosos da Universidade de East Anglia, na Inglaterra, a atual taxa de redução de emissões, de 0,16 bilhão de toneladas de CO2, precisa aumentar em 10 vezes para que as mudanças climáticas sejam mitigadas como propõe o tratado de Paris. A diminuição das emissões deveria ser da ordem de 1 a 2 bilhões de toneladas por ano, de acordo com a investigação.

É uma realidade distante, mas que vale a pena ser alcançada. Outro estudo, publicado no The Lancet em fevereiro e liderado por pesquisadores da Universidade College London, também na Inglaterra, indica que milhões de vidas podem ser salvas com a adoção de políticas alinhadas com o Acordo de Paris e que priorizem a saúde: 6,4 milhões graças a uma dieta melhor, 1,6 milhão por um ar mais limpo e 2,1 milhões por exercícios.

E o apoio popular a mais ações governamentais pelo meio ambiente é “esmagador”, como mostra uma pesquisa da Universidade de Cambridge com mais de 14 mil adultos que vivem no Brasil, na China, na Índia, na Indonésia, na Polônia, no Reino Unido e nos Estados Unidos. Em seis desses países, nove a cada 10 pessoas disseram aprovar essas iniciativas. O Brasil teve o maior índice de apoio: de 96 a 98% dos participantes concordam que os governos devem liderar ações contra mudanças climáticas.

Com apoio da população e estratégias eficazes sendo apontadas há décadas por cientistas, a missão aparentemente impossível parece ser mais tangível. Bastam o comprometimento e as ações de cada um de nós — e das 195 partes que dividem a responsabilidade assumida há cinco anos de mitigar as mudanças climáticas. É agora ou nunca.

Esta matéria faz parte da iniciativa #UmSóPlaneta, união de 19 marcas da Editora Globo, Edições Globo Condé Nast e CBN. Saiba mais em umsoplaneta.globo.com

Fonte: Galileu

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