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Pandemia pode contribuir para protestos antigoverno pelo mundo

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Engana-se quem pensa que a pandemia de Covid-19 é uma crise estritamente sanitária. Entre as muitas outras “sequelas” do novo coronavírus, estudos têm citado o agravamento da pobreza, o desenvolvimento de traumas psicológicos e atrasos na formação escolar. Em uma pesquisa publicada no periódico Psychological Science na última segunda-feira (9), cientistas alertam para mais consequências indiretas, sobretudo em países cujas autoridades desrespeitaram as orientações internacionais de combate ao Sars-CoV-2: sentimentos antissistema e intenções de violência política.

A constatação se deu depois que pesquisadores do Peace Research Institute Oslo (PRIO), na Noruega, e da Universidade de Aarhus, na Dinamarca, perguntaram para mais de 6 mil adultos como a pandemia havia afetado sua saúde, finanças, convivência, direitos e relação com o governo. Os participantes eram provenientes de quatro países: Estados UnidosDinamarcaItália ou Hungria.

Com as respostas obtidas a partir de um formulário online, os pesquisadores dividiram os entrevistados em dois subgrupos: os que registraram um “fardo de Covid-19” alto e os que tiveram uma sobrecarga menor. No estudo, o conceito de “fardo” se refere ao custo psicológico causado pela pandemia, que corresponde à soma total de tensões individuais que uma pessoa experimentou ao longo do período e as respostas que os governos tomaram (ou não) nesse tempo, a exemplo de medidas de confinamento social obrigatoriedade do uso de máscaras.

Os resultados da investigação revelam que, enquanto apenas 0,7% dos participantes com fardo menor marcou a opção “sim” à suposição “eu usaria violência contra o governo ou outras autoridades (por exemplo, durante um protesto)”, 11,9% do subgrupo mais sobrecarregado deu uma resposta afirmativa à hipótese. De acordo com o estudo, participantes que tinham fardos maiores, seja porque contraíram Covid-19, perderam familiares para a doença ou reprovavam as atitudes do governo, também foram os que mais relataram a intenção de usar violência política em protestos.

Os pesquisadores também identificaram algumas diferenças entre as nações: enquanto os dinamarqueses relataram o menor fardo de Covid-19, os entrevistados húngaros registraram a sobrecarga mais alta. Ao mesmo tempo, os dinamarqueses que tiveram um fardo maior mostraram atitudes antissistêmicas e motivações para violência política semelhantes às relatadas em outros lugares.

Nos Estados Unidos, os participantes que vivenciaram uma sobrecarga maior também eram mais propensos a relatar violência em protestos do movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam, em português), que tomaram as ruas do país após a morte de George Floyd por um policial, em maio de 2020. Mas o estudo enfatiza que é possível que a violência tenha sido aplicada em resposta ao uso da força policial contra os manifestantes, já que “a maioria das manifestações associadas ao movimento BLM foram pacíficas, enquanto as forças do governo exerceram abordagens agressivas”.

No documento, os pesquisadores também informam que, quando o formulário foi aplicado — entre abril e julho do ano passado — a proporção de casos e mortes de Covid-19 na Dinamarca e na Hungria era consideravelmente menor em comparação à Itália e aos EUA. Além disso, a polarização política era alta na Hungria e nos EUA, moderada na Itália e baixa na Dinamarca.

Gráfico mostra sobrecarga gerada pela pandemia de Covid-19 em 6 mil adultos ouvidos nos EUA, Dinamarca, Itália e Hungria, entre abril (primeira onda) e julho (segunda onda) de 2020  (Foto: Psychological Science)
Gráfico mostra sobrecarga gerada pela pandemia de Covid-19 em 6 mil adultos ouvidos nos EUA, Dinamarca, Itália e Hungria, entre abril (primeira onda) e julho (segunda onda) de 2020 (Foto: Psychological Science)

Os quatro países também variaram no que diz respeito ao nível de democracia: enquanto Dinamarca e Itália foram classificados como “regimes altamente democráticos”, os EUA e a Hungria aparecem como nações que haviam “experimentado recentemente um retrocesso democrático”, em referência aos governos de Donald Trump e Viktor Orbán, respectivamente.

Para os autores do estudo, os resultados corroboram a hipótese de que a violência que marcou algumas das manifestações de 2020 “foi provavelmente uma manifestação do impacto psicológico que a pandemia teve sobre os cidadãos” e que a crise sanitária em andamento “coloca muitos países em um risco maior de agitação política”.

“Esta é a primeira vez na era moderna que democracias ocidentais altamente individualizadas enfrentam uma grande pandemia”, avalia Michael Bang Peterson, pesquisador da Universidade Aarhus. “Antes da pandemia, havia pouco conhecimento sobre como as sociedades iriam responder ou lidar com tal crise. Nossa pesquisa apresenta uma das primeiras evidências sobre o potencial disruptivo de pandemias e bloqueios associados”, diz o coautor da investigação, em comunicado.

“Nossos resultados constituem um lembrete de que a pandemia de Covid-19 é uma crise total, com efeitos muito além do domínio da saúde”, reiteram os autores na pesquisa. “É fundamental também reparar o relacionamento entre os cidadãos e o sistema político”.

Fonte: Revista Galileu

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