“Um dia me pus sentada embaixo de uma árvore. Perto de mim tinha uma cepa de mandioca. A cepa da mandioca tinha cara de gente. Pensei em fazer uma pessoa e fiz. Aí a mandioca foi secando e foi ficando com uma cara de velha. Gostei muito. Depois eu passei para a madeira”. Foi assim que Conceição Freitas da Silva, mais conhecida como Conceição dos Bugres (1914-1984), disse ter dado início à confecção dos seus bugres, segundo a Enciclopédia Itaú Cultural.
Autodidata, de origem indígena, Conceição dos Bugres produziu, ao longo de três décadas, muitas esculturas em madeira ou pedra, cobertas por cera e tinta, com traços humanos, que foram chamados de bugres, palavra pela qual ela ficou conhecida, mas que é usada no Brasil de forma pejorativa e preconceituosa para se referir aos índios. E é essa produção de bugres que está em exposição no Museu de Arte de São Paulo (Masp), na capital paulista, até 30 de janeiro de 2022.
Tudo é da Natureza
Conceição dos Bugres: Tudo é da Natureza do Mundo é o nome dessa exposição, que já está em cartaz no Masp desde o mês passado. O título da mostra é emprestado de uma fala da artista a um documentário de 1979. Nele, Conceição descreve as formas de suas peças como resultado do respeito ao formato da madeira, que “é sábia”, em suas palavras. É a partir dessa natureza que ela, usando uma machadinha, vai construindo figuras como Mariquinha, João Grilo e Chiquinho, nomes dados a algumas de suas obras que, no entanto, não foram registrados nos documentos dos trabalhos, quase todos sem título e sem data. “Faço para ter a companhia deles”, disse a artista, certa vez.
119 esculturas
Para a exposição estão sendo apresentadas 119 esculturas, cujas alturas variam de 4,5 cm a 115 cm. Cada uma delas tem uma expressão diversa e foi talhada com profundidade diferente. Há também diferenças na escolha de cores, nas pinceladas, na posição de mãos e de braços e nos cortes de cabelo. Os bugres podem parecer semelhantes, mas cada peça é única. “As obras dela, supostamente, se parecem, mas existem também muitas particularidades que ainda não foram estudadas”, disse Fernando Oliva, um dos curadores da exposição, junto com Amanda Carneiro.
A partir do segundo semestre deste ano, essa mostra vai coincidir com exposições individuais de Erika Verzutti e Maria Martins (1894-1973). A ideia do Masp é enfatizar o papel das mulheres para a linguagem escultórica no Brasil.
“Nesse país tão plural e diverso como é o Brasil, muitas histórias e agências ficaram à margem, por isso é tão fundamental iniciar esse ciclo de exposições com uma artista cuja produção tem um valor ainda a ser reconhecido e reposicionado na história da escultura em nosso país. Este projeto reafirma uma posição de Conceição dos Bugres como parte de um cenário amplo e inclusivo, ressaltando sua valiosa contribuição para a arte brasileira”, disse Amanda Carneiro.
Artistas esquecidos
A exposição sobre a obra de Conceição dos Bugres é parte de um movimento do Masp para apresentar artistas que ficaram fora das histórias oficiais da arte, com o objetivo de reposicioná-los.
“A trajetória da Conceição dos Bugres sofreu um processo de apagamento como a de muitos artistas da chamada ‘arte popular brasileira’”, explicou Oliva.
A maior parte das obras em exposição são de coleções particulares. Há pouquíssimas obras dela em acervos públicos, o que demonstra esse processo de apagamento. Hoje, segundo o Masp, o trabalho de Conceição dos Bugres é encontrado apenas nas coleções do Museu Afro Brasil e do Itaú Cultural.
O Masp tem entrada gratuita às terças-feiras e nas primeiras quartas-feiras de cada mês. Nos demais dias, há cobrança de ingresso.
Elaine Patricia Cruz | Agência Brasil
Edição: Nélio Neves de Andrade