A capital de Angola viveu dias difíceis e de grande tensão após uma greve de taxistas desencadear uma onda de protestos que terminou com 22 mortos, 197 feridos e mais de 1.200 detenções. O balanço, ainda provisório, foi divulgado pelo ministro do Interior, Manuel Homem, após reunião do Conselho de Ministros nesta quarta-feira (5).
O estopim dos protestos foi a alta no preço dos combustíveis e a ausência de diálogo com o governo, segundo as associações e cooperativas de taxistas. A greve, convocada por três dias, gerou uma série de protestos e confrontos com a polícia em diversos bairros de Luanda.
Um país em ebulição
A greve geral, liderada inicialmente por taxistas, evoluiu para manifestações mais amplas e violentas, com saques em supermercados e confrontos com as forças de segurança. Apesar da gravidade dos eventos, o presidente permanece em silêncio — o que, segundo analistas, só aprofunda a tensão e o sentimento de abandono por parte da população.
“O povo quer escutar quais medidas reais serão tomadas para conter a inflação, gerar empregos e acabar com a fome. O problema é que o governo parece não ter nenhuma”, pontuou o presidente da AJPD.
Governo distante da realidade
Bango relembrou episódios anteriores em que o governo preferiu buscar culpados do que assumir responsabilidades. Um caso emblemático aconteceu em 2021, quando uma manifestação semelhante terminou em violência. Em vez de investigar as causas, o governo prendeu um jovem, forçando-o a ligar os atos de vandalismo à oposição da UNITA, maior partido rival do MPLA.
“A cultura política de Angola ainda não aprendeu a prestar contas à população. É como se os governantes não se sentissem obrigados a dar explicações”, criticou.

Discurso pode virar mais gasolina no fogo
Para Bango, há um risco real de que um eventual pronunciamento de João Lourenço piore ainda mais a crise.
“Se ele falar só para acusar os outros, como já fez no passado, o efeito pode ser desastroso. O país precisa de calma, esperança e soluções reais. Não de mais conflitos.”
Enquanto isso, o governo insiste que a situação em Luanda está “normalizada”, apesar de vídeos nas redes sociais e relatos da imprensa internacional mostrarem o contrário. A população, no entanto, segue com medo e sem respostas concretas.

O que motivou os protestos?
Desde o início de agosto, o preço do litro do gasóleo subiu de 300 para 400 kwanzas (cerca de R$ 2,43 para R$ 3,24), parte do processo de retirada dos subsídios governamentais iniciada em 2023. Com o aumento dos combustíveis, as tarifas do transporte também foram reajustadas. O valor da corrida em táxis coletivos passou de 200 para 300 kwanzas, e o transporte em ônibus urbanos, de 150 para 200 kwanzas.
Para os taxistas, o reajuste não acompanha a realidade econômica da população. Sem resposta do governo durante mais de 15 dias, entidades como ANATA, ATA e CTCS decidiram cruzar os braços.
Os atos de violência aconteceram na sequência da paralisação por três dias dos serviços de táxis, convocada por associações e cooperativas de táxis, em protesto face à subida do preço dos combustíveis e das tarifas de transportes públicos.
Em comunicado divulgado esta quarta-feira, a Frente Patriótica Unida (FPU), que integra a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) e o Bloco Democrático, lamentou “profundamente as vítimas mortais entre civis e um oficial da Polícia Nacional ocorridas durantes os protestos”, exortando a “população, particularmente os jovens, a não se deixarem instrumentalilzar nem enveredar por práticas que comprometam o seu futuro e o de Angola em geral”.
Resposta do governo e da oposição
Enquanto isso, o governo reforçou a repressão nas ruas, a oposição criticou duramente a condução da crise. A Frente Patriótica Unida (FPU), que inclui a UNITA e o Bloco Democrático, lamentou as mortes — incluindo um agente da Polícia Nacional — e fez um apelo ao diálogo:
“Exortamos a população, especialmente os jovens, a não se deixarem instrumentalizar, mas também pedimos que o Executivo abandone a postura arrogante e repressiva e opte pela concertação social”, disse o comunicado da FPU.
Vandalismo e prejuízos
As manifestações não foram pacíficas. A empresa pública TCUL informou que teve 10 ônibus vandalizados e um prejuízo de mais de 44 mil euros. Mais de 500 mil passageiros deixaram de ser transportados durante os dois dias de paralisação.
A empresa privada MACON também foi alvo: 12 ônibus danificados e prejuízos ainda sendo calculados.
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Transporte retomado com reforço na segurança
Nesta quarta-feira (6), os serviços de transporte coletivo começaram a ser retomados em Luanda. Segundo André Gomes, porta-voz da TCUL, 70 ônibus estão operando com apoio das forças de segurança.
“Paralisação não é sinônimo de vandalismo. O que vimos foi crime. Apelamos à população para não seguir por esse caminho”, disse.
Tour na Europa e silêncio em casa
Durante os dias mais tensos da greve, João Lourenço estava em viagem pela Europa. Ao retornar, nada disse publicamente. Agora, especula-se que o presidente esteja organizando outra viagem, desta vez para o Japão.
A ausência de posicionamento e a falta de empatia têm alimentado o discurso de desgaste político do governo. A pressão interna e externa por respostas concretas só aumenta, enquanto o povo angolano espera, mais uma vez, ser ouvido — ou ao menos reconhecido.
Contexto maior
Os protestos em Luanda se inserem num cenário de crescente insatisfação popular com a retirada de subsídios e a alta do custo de vida. A crise econômica e a ausência de canais de diálogo efetivos entre governo e categorias profissionais, como os taxistas, tendem a aumentar a tensão social no país.