Quando foi anunciado, Cruella estava cercado de expectativas negativas. Vindo na leva de remakes medíocres vendidos pela Disney nos últimos anos, o longa ainda prometia desmistificar a vilã Cruella De Vil, mesma proposta dos sucessos financeiros Malévola e Malévola 2. A escalação de Emma Stone, que apesar de ótima atriz, passou os últimos anos presa em papéis relativamente similares, também deixou o público com uma pulga atrás da orelha. Cruella, no entanto, surpreende e, apoiado no carisma do elenco e na direção segura de Craig Gillespie, chega como a melhor releitura live-action de clássicos da Casa do Mickey até agora.
Ao contrário do que aconteceu em Malévola, que tentava justificar as ações imperdoáveis da vilã com histórias trágicas, Cruella não esconde que sua personagem principal sempre teve uma inclinação para a psicopatia. Mesmo que use eventos traumáticos para construir a futura ícone da moda, o longa não tenta usar essas experiências como justificativa para os atos de Cruella. Desde a infância, a protagonista – que nesse período é vivida pela incrível Tipper Seifert-Cleveland – é geniosa, agressiva e avessa às regras e padrões sociais. Entre problemas na escola e em casa, a garota também mostra sinais de genialidade e criatividade, características que são postas em prática em seus designs e confecções.
Enquanto sua contraparte pré-adolescente interpreta quase exclusivamente a faceta cruel da personagem-título, Emma Stone equilibra Estella (nome de batismo da protagonista), uma ladra e golpista com grande talento e sonhos ainda maiores, com Cruella, a impiedosa e obstinada estilista. Entre as duas personalidades, a atriz interpreta praticamente duas personagens diferentes, em uma atuação que supera qualquer outro papel de sua carreira, incluindo a que lhe rendeu um Oscar em La La Land. Imersa na dualidade da vilã, Stone cria sua própria versão de Cruella sem apagar a atuação emblemática que eternizou Glenn Close no papel em 1996.
O restante do elenco de Cruella apenas realça o bom trabalho de Stone. Enquanto a atriz mostra uma química incrível com Joel Fry e Paul Walter Hauser, que vivem Gaspar e Horácio na nova versão, sua relação à la O Diabo Veste Prada com a Baronesa de Emma Thompson – que também está impecável – é o principal catalisador para a ascensão de Cruella como estilista, estrela e assassina de cães indefesos. Os cachorrinhos, aliás, são tão presentes quanto qualquer outro nome do elenco e a evolução de sua relação com Cruella acompanha passo a passo a evolução da personagem.
Embora as atuações mereçam todos os elogios possíveis, o roteiro deixa a desejar em alguns pontos. Mesmo que saiba aproveitar quase todos os personagens à sua disposição, o script derrapa feio na sub-utilização de Kirby Howell-Baptiste e Mark Strong, cujos papéis não oferecem nada além de breves easter eggs à animação original. A presença da dupla não afeta absolutamente nada na história e o público dificilmente sentiria a falta de seus personagens caso fossem completamente removidos do longa.
Por outro lado, os designs de Cruella são alguns dos mais ousados e divertidos dessa fase de live-actions da Disney. Criados por Jenny Beavan (Mad Max: Estrada da Fúria), os vestidos têm uma estética punk característica dos anos 1970 e ajudam a contar a história de transgressão e quebra de padrões que levaram Cruella ao estrelato do mundo da moda. Com instalações provocativas que vão de caminhões de lixo a shows cheios de pirotecnia, a maneira como as roupas são apresentadas encanta e anima na mesma medida e a montagem que apresenta os trajes é um evento divertidíssimo por si só. O trabalho do departamento de cabelo e maquiagem também impressiona. Assim como o figurino, a transformação de Estella em Cruella é cuidadosamente detalhada pelas escolhas de penteado, que vão do coque ruivo preso de maneira “comportada” ao volumoso corte icônico já muito conhecido por fãs de 101 Dálmatas.
A trilha sonora também é indispensável para a criação do tom do filme. Hits de bandas como Supertramp, Bee Gees, Queen e The Clash intercalam com as composições originais de Nicholas Britell, elevando o peso de cada cena, seja uma simples conversa ou uma perseguição em alta velocidade.
Bem mais divertido do que se esperava de mais uma reciclagem de propriedade intelectual da Disney, Cruella mostra que há esperança para essas releituras que dominam o catálogo do estúdio há alguns anos. Capaz de agradar até os mais céticos, o filme quebra qualquer expectativa ruim com barulho, beleza e carisma de sobra.
Fonte: Omelete