A aprovação do chamado PL da Dosimetria na Câmara dos Deputados abriu um novo e delicado capítulo no debate sobre o sistema penal brasileiro. Vendido politicamente como uma medida focada nos condenados pelos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, o projeto pode ter um alcance muito maior do que o discurso oficial admite — e beneficiar diretamente criminosos comuns, inclusive autores de crimes violentos.
Essa é a avaliação de especialistas em direito penal e execução penal ouvidos pela Agência Brasil, que apontam riscos de distorções profundas no sistema de progressão de penas caso o texto avance no Senado.
O que muda na prática com o PL da Dosimetria?
O PL 2.162/2023 altera as regras de progressão de regime, permitindo que presos avancem do regime fechado para o semiaberto — ou do semiaberto para o aberto — após cumprir apenas um sexto da pena, o equivalente a cerca de 16% do total da condenação.
Hoje, a legislação é mais rígida:
- Crimes sem violência: 20% da pena para réus primários e 30% para reincidentes
- Crimes com violência ou hediondos: o percentual pode chegar a 40%, 50% ou até 70%, dependendo do caso
Com o novo texto, essa lógica é parcialmente desmontada.
“Afrouxamento relevante” do sistema penal
Para o professor Rodrigo Azevedo, da PUC do Rio Grande do Sul e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a mudança representa um afrouxamento sensível das regras criadas após o pacote anticrime de 2019.
“Na prática, ela beneficia sim criminosos comuns, pois padroniza o marco básico de progressão em um sexto da pena, reservando percentuais mais altos apenas para crimes violentos e hediondos”, explica.
Segundo ele, isso altera diretamente o cenário atual, inclusive para crimes como roubo:
“Hoje, um condenado por roubo só progride após cumprir 40% da pena. Com o texto aprovado, se for primário, poderá progredir após 25%. Isso mostra claramente que a mudança não se restringe ao 8 de janeiro.”
Especialistas alertam: lei geral não pode valer para casos específicos
Outro ponto crítico levantado por juristas é a tentativa de justificar o projeto como algo “pontual”. Para Azevedo, esse argumento não se sustenta juridicamente.
“A Lei de Execução Penal é uma lei geral. Não existe, no sistema constitucional brasileiro, uma execução penal que valha apenas para um grupo específico de condenados.”
Ou seja: qualquer mudança feita ali impacta todo o sistema, não apenas os envolvidos em crimes contra o Estado democrático.
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“É um passo atrás”, diz criminalista
O advogado criminalista João Vicente Tinoco, professor da PUC-Rio, também avalia que o PL suaviza o endurecimento promovido em 2019.
“O que o PL da Dosimetria faz agora é dar um passo atrás. Ele não revoga tudo, mas flexibiliza pontos importantes”, afirma.
Segundo ele, o problema maior está nas exceções mal definidas do texto. Embora o projeto tente elevar o percentual de progressão para crimes contra a pessoa e o patrimônio (25%), existem outros crimes violentos fora desses títulos do Código Penal que acabariam sendo beneficiados com a regra dos 16%.
“Há uma série de crimes praticados com violência grave que não estão nesses títulos. Nesses casos, os condenados seriam diretamente beneficiados”, alerta.
Contradição com o PL Antifacção
Outro ponto que chama atenção é a incoerência legislativa. Recentemente, a Câmara aprovou o PL Antifacção, que endurece regras para integrantes de facções e milícias. Para Rodrigo Azevedo, aprovar projetos com direções opostas fragiliza o sistema de segurança pública.
“Isso gera insegurança jurídica, dificulta o trabalho de juízes e operadores da execução penal e compromete políticas públicas de longo prazo.”
Defesa do relator e reação dos especialistas
O relator do projeto, deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP), nega que criminosos comuns sejam beneficiados e afirma que o texto foi elaborado com apoio de juristas.
“Não há nenhuma possibilidade de este texto beneficiar crime comum. Ele trata apenas do 8 de Janeiro”, declarou durante a votação.
Para os especialistas, no entanto, a lei não funciona assim. Uma vez aprovada, vale para todos.
Próximo passo: Senado
Agora, o PL da Dosimetria será analisado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, na próxima quarta-feira (17). O relator será o senador Esperidião Amin (PP-SC), aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro e defensor da anistia total aos condenados pelos atos golpistas.
O debate promete ser intenso — e decisivo para o futuro das regras penais no país.
🔥 Frase de impacto pra compartilhar:
“Criar uma lei pensando em um caso específico pode mudar o destino de todo o sistema penal brasileiro.”




