A violência contra a mulher no Brasil atingiu níveis que já não podem ser ignorados. Só na última semana, dois ataques brutais em São Paulo reacenderam o alerta: uma mulher de 31 anos teve as pernas mutiladas após ser atropelada e arrastada por cerca de um quilômetro pelo marido; dias depois, outra mulher foi baleada pelo ex-companheiro no local de trabalho.
Os dois casos foram classificados pela Polícia Civil como tentativas de feminicídio — e evidenciam como o ciclo de violência contra mulheres segue escalando no país.
“É uma tragédia estrutural”, alerta especialista
Para a advogada Luciane Mezarobba, que atua exclusivamente no atendimento a mulheres, o combate ao feminicídio precisa atuar em duas frentes: políticas públicas efetivas e transformação da cultura dentro das casas.
Ela destaca que não faltam leis, mas sim ações práticas, apoio estatal e um Judiciário com olhar atento às desigualdades que estruturam a violência de gênero.
“Uma sociedade que naturaliza a desigualdade entre homens e mulheres alimenta a violência. Precisamos combater isso tanto no Estado quanto dentro das famílias”, afirma.
A advogada também lembra que ferramentas como o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, implementado pelo CNJ, são fundamentais para orientar decisões judiciais mais responsáveis e sensíveis ao tema.
Violência não começa no extremo — ela cresce em silêncio
Mezarobba reforça que a violência doméstica raramente surge como um ataque fatal. Antes disso, quase sempre há:
- Violência psicológica
- Controle e manipulação
- Agressões verbais
- Violência patrimonial
- Isolamento da vítima
- Ameaças
E quando o agressor percebe que não há consequências, a escalada se intensifica — até chegar ao feminicídio.
Desigualdade histórica ainda molda relações hoje
De acordo com a psicóloga e pesquisadora da UnB, Maisa Guimarães, a violência de gênero é resultado direto de uma sociedade construída durante séculos para privilegiar homens e restringir direitos das mulheres.
Ela lembra que até poucas décadas atrás a mulher casada não podia sequer escolher seu trabalho sem autorização.
Essa herança ainda influencia o presente.
“A igualdade de direitos entre homens e mulheres é algo muito recente no Brasil. A violência que vemos hoje é um reflexo dessa história de desigualdade”, explica.
E os dados confirmam: feminicídio bate recorde em SP
Os números da Secretaria de Segurança Pública de SP são chocantes:
- 53 feminicídios na capital entre janeiro e outubro de 2025 — o maior número desde o início da série histórica (2018).
- 207 mulheres mortas no estado no mesmo período.
- Só em outubro: 22 feminicídios e 5.838 casos de lesão corporal dolosa contra mulheres.
A maioria desses crimes é cometida por parceiros ou ex-parceiros — e costuma ser o desfecho de meses (ou anos) de agressões invisibilizadas.
Por que a violência piorou?
Pesquisadoras afirmam que parte do agravamento está na reação de alguns homens à conquista de direitos pelas mulheres.
Não é “não aceitar o fim do relacionamento”.
É não aceitar que a mulher tenha autonomia sobre sua própria vida.
Esse comportamento — que mistura posse, controle e misoginia — é combustível para a violência extrema.
O que especialistas defendem?
✔ políticas públicas que acolham as mulheres (como creches e escolas integrais)
✔ punição rigorosa para agressores
✔ combate às redes de ódio e misoginia online
✔ educação antissexista desde a infância
✔ fortalecimento da rede de apoio e denúncia
A mensagem é clara: enquanto a desigualdade estrutural não for enfrentada, o feminicídio continuará crescendo.



